O disque-denúncia das universidades
O MEC faz circular ofício com recomendações do MPF para criação de canais de denúncias contra manifestações políticas nas universidades
Juliana Diniz
julianacdcampos@gmail.com
Jáder Santana
jaderstn@gmail.com
Em 7 de fevereiro de 2021, o diretor de desenvolvimento da Rede de Instituições Federais de Ensino Superior encaminhou aos dirigentes de cada instituição o ofício-circular n. 4/2021/DIFES/SESU/SESU-MEC. Assinado por Eduardo Gomes Salgado, o ofício teve por objetivo dar ampla publicidade à recomendação n. 133 do Ministério Público Federal, datada de 5 de junho de 2019, a fim de que os dirigentes “garantam a adequada utilização dos bens públicos”.
A recomendação do MPF tem vinte páginas e é assinada pelo procurador Ailton Benedito de Souza. O foco da recomendação é evitar a utilização das instituições de ensino federais para atos de natureza “político-partidária” e estimular a criação de canais internos para denúncias de tais práticas.
Segundo o texto, “são públicas e notórias as ocorrências de diversas manifestações de natureza político-partidária nas instituições de ensino no Brasil, que culminam, amiúde, na paralisação das atividades escolares; danos ao patrimônio público; prejuízo ao calendário estudantil; intimidação dos estudantes e funcionários; invasões ou “ocupações” de prédios por supostos estudantes e outras pessoas, bem como integrantes de “movimentos sociais”, em protesto contra diversas ações do governo federal etc.”
O documento aponta a necessidade de estabelecer limites à liberdade de expressão. Segundo a recomendação, “a liberdade de expressão encontra limites, expressos e implícitos, não sendo, pois, assim como qualquer direito, considerado valor absoluto, imune a controle.”
Há uma atenção especial com a estruturação de mecanismos de controle da liberdade de expressão nas instituições de ensino superior. O documento do MPF, enviado pelo Ministério da Educação (MEC) para os das instituições de ensino, invoca o documento o direito de petição como caminho para viabilizar tal finalidade: “estado deve assegurar que ilegalidades ocorridas dentro das instituições de ensino, notadamente manifestações de natureza político-partidárias, possam ser levadas ao conhecimento das autoridades competentes, para as providências cabíveis”.
Após um longo detalhamento em que não fica clara a definição do que seja “manifestação político-partidária”, o MPF recomenda, dentre outros pontos, que cada instituição “disponibilize canais físicos e eletrônicos para receber denúncias de atos de natureza político-partidária mediante o uso de patrimônio material e imaterial, por exemplo, espaços físicos, equipamentos, redes de comunicação, imagem, símbolos institucionais etc., de instituições públicas de ensino, favoráveis ou contrários ao governo”, além de encaminhar “as denúncias recebidas aos órgãos competentes para responsabilização administrativa, civil e criminal dos agentes públicos e particulares envolvidos”.
A recomendação, que configura um grave atentado à autonomia universitária e à liberdade de cátedra, começa a chegar nas caixas de e-mails dos professores das instituições de ensino superior federais. Um sinal de aviso.
Juliana Diniz é editora executiva do Bemdito, professora da UFC e doutora em Direito pela USP. Está no Instagram e Twitter.
Jáder Santana é jornalista e editor do Bemdito. Está no Instragam e Twitter.