Bemdito

O Tinder e a cloroquina

A trágica era dos relacionamentos: a cada 280 ois, uma conversa que preste
POR Mariana Marques

A trágica Era dos relacionamentos: a cada 280 ois, uma conversa que preste

Mariana Marques
marianamarquesb@gmail.com

Antes do lockdown, o mundo do aplicativo de paquera (que tem tudo menos paquera) funcionava aos galopes. Empiricamente, depois de ter usado por um tempo curto, e ouvido muitos relatos de minhas companheiras, arrisco dizer que os homens aproveitam muito mais que as mulheres. Deixando claro: os que não são hétero. Parecem ser mais práticos e mais encontradores. Dizem logo a que vieram, mandam logo um retrato.

Os hétero, por assim dizer, são mais devagar. De 35 ois no aplicativo, 2 viram um pedido de WhastApp. O que dá mais ou menos 280 ois pra 8 contatos, pra engatar 1 conversa que preste. Um, duzentos e oitenta avos de chance de dar certo. Haja paciência. Isso porque não estou contando o gol antes do oi: o match, que significa que o outro gostou tanto de você quanto você dele, ou apertou sem querer no botão errado.

Acontece que uma amiga (loura, olhos verdes, a pele macia, tem dotes de feiticeira) conheceu um rapaz. No funil, ele já chegou derrubando 279 outros sem-futuro, o que já merece respeito. Uma espécie de seleção natural da modernidade. Converseiro pra cá, pra lá, descobriu-se que o homem era músico, bom papo, tinha iniciativa, falava português claro (raríssimo nos dias atuais). Ela vibrou, muito sensível que é. Era agora que esse date sairia, e, quem sabe, dali sairia um beijo, já que dava até pra sonhar em trocar saliva com a curva do Covid descendo, lá pra outubro.

Encontro resolvido, pra ninguém se comprometer, no shopping perto de casa. A bonitinha sentada num café, muito independente que é, e o príncipe chega com um saco de farmácia na mão. Ela não entendeu o que é que a Drogasil tinha a ver com aquele momento mas guardou o comentário pra si. Vai que o rapaz tinha comprado uma curaprox pra dormir na casa dela caso a conversa fosse em frente. Puxou um assunto. Até que ele tira do saco um chocolate, e estende: comprei pra você.

Nesse momento o shopping parou, a atmosfera deu lugar a uma chuva de corações e tocou um Richard Claydermann na amplificadora. Mas, como ela não é besta nem nada, resolveu soltar uma piadinha pra quebrar o gelo, vendo que além do chocolate tinha outra coisa no saco da farmácia.

– Que é isso dentro do saco? Cloroquina?

E viu, do seu lado da mesa, o interlocutor enviado pelo Tinder, que pelo jeito não entende nada de algoritmo, dizendo, enquanto murchava:

– É.

Um
Duzentos
E oitenta
Avos
De chance

E o universo ainda manda um Bolsominion.

Certamente, um biênio para ficar na história da tragédia mundial, inclusive da tragédia dos relacionamentos.

Mariana Marques é publicitária e artista plástica. Está no Instagram.

Mariana Marques

Publicitária e artista plástica.