Bemdito

Os malabarismos de Bolsonaro

Como a novela sobre o Fundo Eleitoral pode atrapalhar a aproximação entre presidente e Centrão
POR Monalisa Soares

Durante o primeiro ano de governo, Bolsonaro mobilizou a popularidade inicial para conduzir a gestão a partir de um discurso antissistêmico, fundado em críticas às negociatas e velhas práticas políticas e marcado por forte mobilização de sua base fiel. Em 2020, em meio aos desdobramentos da crise da pandemia, o presidente iniciou movimentos de acomodação com o Centrão, nomeando ministros ligados aos partidos do bloco e indicando Ricardo Barros (PP-PR) para a liderança do governo.

O ano de 2021 trouxe o definitivo alinhamento do presidente com o bloco político do Centrão. O apoio a Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara Federal e a nomeação, na última semana, de Ciro Nogueira (PP-PI) para a Chefia da Casa Civil do governo, em substituição ao general Luiz Eduardo Ramos, confirmaram a movimentação selada com a declaração do próprio Bolsonaro de que “sempre foi do Centrão”.

Não me deterei aqui a analisar os significados dessa aproximação do governo com o Centrão, Paula Vieira realizou uma excelente reflexão no Bemdito sobre como chegamos a isso. Nesse sentido, interessa-me mais analisar as implicações desse processo para a relação de Bolsonaro com sua base de apoio.

Chamo atenção para esse aspecto porque vejo, nos movimentos recentes do presidente, típicas ações que geram ruídos no segmento de apoiadores mais fiéis. Individualmente, não compartilho de percepção homogeneizante que geralmente circula nas redes sociais de que os apoiadores do presidente são “gado”, aceitam passivamente e justificam todas as ações de Bolsonaro, inclusive quando vão de encontro a demandas e pautas que lhes são (foram) caras (no momento da adesão).

Como sabemos, antipolítica e anticorrupção foram demandas muito expressivas do eleitorado de Bolsonaro, que, oportunamente, assumiu a condição de representante genuíno dessas pautas no contexto de 2018. O progressivo alinhamento do governo com o Centrão não passou incólume aos bolsonaristas mais fiéis e gerou repercussões negativas nesse segmento.

Recentemente, o caso da aprovação do Fundo Eleitoral é exemplar. Após a votação que definia que o valor dos recursos destinados ao financiamento de campanhas eleitorais praticamente iria triplicar (passando de R$ 2,035 para R$ 5,7 bilhões), os(as) deputados(as) ligados ao presidente que votaram na medida receberam cobranças contundentes de eleitores nas redes sociais. A repercussão foi tão expressiva que parlamentares de notabilidade no bolsonarismo, como Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF), tiveram que vir a público justificar sua votação.

Como forma de responder aos apoiadores, na saída de sua internação, em 18 de julho, o presidente afirmou que provavelmente iria vetar o chamado Fundão. Na ocasião, também defendeu os(as) parlamentares bolsonaristas e atacou o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), responsabilizando-o pela aprovação do aumento exorbitante dos recursos. Este reagiu ao presidente, incitando-o a vetar a medida, afirmando que o não veto de Bolsonaro seria “um golpe em seus eleitores”.

A notícia do veto, por sua vez, não foi bem recebida pelos parlamentares do Centrão, o que fez Bolsonaro recuar da ideia inicial de vetar o Fundo Eleitoral. Diante do impasse, o presidente parece ter optado por um “veto parcial”. Argumentando que está juridicamente impossibilitado de vetar “todo o fundão”, sob risco de sofrer impeachment, Bolsonaro indicou que vetaria um valor que pode ultrapassar os R $2 bilhões. A discussão sobre o veto e os valores do Fundo Eleitoral vem sendo tratada também por parlamentares de oposição que ingressaram no Supremo Tribunal Federal solicitando a anulação da votação.

A novela sobre o Fundão ainda está se desenrolando, mas um fato contundente que ela nos mostra é, que diante de pressões simultâneas e divergentes, destreza e coordenação – habilidades típicas de um malabarista – se tornaram urgentes para Bolsonaro. Afinal, a necessidade de compatibilizar os apoios tanto de sua base mais fidelizada – de quem depende para manter aprovação e chegar minimamente competitivo em 2022 -, quanto do Centrão, de quem depende para atenuar institucionalmente o enfraquecimento político que vem enfrentando junto à opinião pública, exigirão muitos malabarismos até a disputa do ano que vem.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.