Por que silenciar Felipe Neto?
A intimidação do youtuber Felipe Neto mostra que o controle político da opinião é um dos flancos de ação bolsonarista
Juliana Diniz
julianacdcampos@gmail.com
O delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro Pablo Sartori se envolveu em mais um episódio preocupante de ameaça à liberdade de expressão. Assim como nos casos anteriores, que envolveu os jornalistas William Bonner e Renata Vasconcellos, a movimentação do delegado foi motivada por iniciativas da família Bolsonaro. O delegado intimou o youtuber Felipe Neto a depor pela prática de suposto crime de calúnia contra o Presidente da República. A notícia-crime leva a assinatura de Carlos Bolsonaro, e a intimação fundamenta a movimentação policial na Lei de Segurança Nacional.
Felipe Neto repetiu nas redes sociais uma avaliação que ganha corpo junto à opinião pública nacional e internacional: o que acontece no Brasil é um genocídio. Independentemente do enquadramento jurídico que se possa dar às ações e omissões do governo federal em matéria de política de saúde, Felipe Neto não poderia ter passado pelo constrangimento que passou. O desejo de quem persegue parece ser mais o fato político do que propriamente o sucesso policial: basta dizer que o delegado não tem, nem de longe, a competência para intimar alguém pela prática do crime de calúnia contra o presidente, pois o delito (em tudo questionável, considerando a sua constitucionalidade) é da esfera federal.
A simples iniciativa de intimar gera, contudo, o fato político desejado: a demonstração de que o entorno do presidente pode, sim, intimidar, sem maiores consequências. Não por outro motivo, outro filho do presidente costuma vir a público anunciar os novos processos que moverá contra professores e figuras públicas pelo crime de opinião. Felipe Neto é uma figura perigosa para o bolsonarismo. É popular, midiático, extremamente competente na comunicação em um terreno caro às movimentações do gabinete do ódio: a juventude youtuber, gamer, cada vez mais atenta a quem interessa apoiar politicamente nos próximos anos. A batalha promete ser interessante, porque Felipe Neto não se furtou ao embate, para o bem de todos nós, opinadores, que não temos o seu número de seguidores e capacidade econômica.
Juliana Diniz é editora executiva do Bemdito, professora da UFC e doutora em Direito pela USP. Está no Instagram e Twitter.