Bemdito

Qual o impacto de Moro no xadrez político de 2022?

O ex-juiz Sergio Moro oficializa sua filiação partidária e provoca uma reorganização das forças políticas em disputa
POR Monalisa Soares
Marcelo Camargo/Agência Brasil

A entrada de Moro no jogo eleitoral de 2022 foi o tema da semana. O período do ex-juiz nos EUA não arrefeceu o frisson da mídia nacional com sua liderança  haja vista a ampla cobertura que recebeu sua filiação ao Podemos.

Ocorrido no último dia 09 de novembro, o evento comportou uma oportuna ambivalência na qual Moro não afirmou o cargo que disputaria, mas o partido já o apresentava como “futuro presidente do Brasil”. A síntese desse movimento foi que, mesmo sem lançar uma candidatura presidencial, na ocasião, o ex-juiz proferiu um discurso e lançou um slogan, “Por um Brasil justo para todos”, típicos de campanhas presidenciais.

Em seu discurso, Moro buscou enfatizar uma posição antípoda tanto a Lula quanto a Bolsonaro, reivindicando para si a condição de terceira via. Dois temas demarcaram fortemente essa tentativa: a) corrupção, através das críticas aos escândalos noticiados nas gestões de ambos, fazendo menções a “mensalão, petrolão, rachadinhas e orçamento secreto”; e b) defesa da liberdade de imprensa, ao depreciar as propostas de regulação da mídia propostas pelo PT e criticar os ataques feitos a jornalistas por parte dos bolsonaristas. Em ambos os temas há a tentativa de enquadrar Lula e Bolsonaro como equivalentes, um recurso típico dos discursos correntes que querem romper a polarização.

Outros pontos do discurso destacaram, obviamente, os elementos pelos quais sua imagem pública já é amplamente reconhecida: combate à corrupção e segurança pública. Com amplo destaque para o primeiro tema, o discurso enfatizou a defesa do fim do foro privilegiado, da prisão em segunda instância e do fim da reeleição para cargos no Executivo. 

A candidatura de Moro parece ainda um “balão de ensaio”, como já apontei em coluna anterior, há diversos aspectos ao seu favor, mas também contrários. O ex-juiz vai movimentando seus planos em meio a caminhos ainda abertos: entre uma candidatura ao Senado por São Paulo com grandes chances de sucesso como mostram as pesquisas e a definição por uma candidatura ao Planalto, a qual já possui adesões relevantes (setores da mídia, alguns políticos e militares), mas que necessita ampliar, especialmente, na construção de uma chapa que viabilize uma representatividade que dê conta dos problemas centrais do Brasil de hoje. 

Entre os desafios da candidatura presidencial de Moro, está o fato de que a economia vem ganhando o centro da preocupação política do eleitorado, e ainda que o ex-juiz estabeleça conexões entre corrupção e problemas econômicos, como afirma Claudio Ferraz em artigo recente: “ninguém reduz a pobreza, cria emprego e aumenta a produtividade do país com política anticorrupção”.

Além das questões relativas à provável candidatura de Moro, gostaria ainda de chamar atenção para os impactos mais imediatos que a chegada do ex-juiz no jogo político traz à dinâmica da disputa.

De início podemos observar que o impacto é expressivo no âmbito da chamada terceira via. De acordo com a pesquisa da Quaest divulgada no último dia 10 de novembro, a entrada de Moro esvazia as candidaturas do PSDB. Nas simulações em que o ex-juiz aparece listado junto aos prováveis candidatos do partido (João Dória e Eduardo Leite), estes pontuam 2% ou menos. Uma situação trágica para o partido tão entusiasta da atuação de Moro e que contribuiu para o fortalecimento de sua imagem pública. A afinidade foi tanta, que o ex-juiz que nunca quis “melindrar o apoio” conseguiu avançar ferozmente sobre a base eleitoral do partido. 

Outro ator que também ligou o sinal de alerta foi Ciro Gomes. O ex-ministro deu diversas declarações atacando o ex-juiz, demarcando suas incongruências por ter afirmado que não tinha pretensões políticas e denunciando o fato de que, na realidade, Moro fez política desde os tempos de juiz, quando retirou Lula da disputa, facilitou o caminho para Bolsonaro e depois tornou-se ministro deste. Nas palavras de Ciro, “ele [Moro] é uma pessoa completamente despreparada, que não tem a decência pessoal e não conhece nem remotamente a tragédia brasileira”

Obviamente, os ataques do ex-ministro são uma reação calculada à chegada de um candidato com chances de crescimento, boa cobertura midiática (televisiva e impressa) e capacidade de mobilização e diálogo com forças políticas que podem inviabilizar sua candidatura que tem feito movimentos tão incisivos nos últimos meses para se consolidar como alternativa.

Se a emergência de Moro traz impactos imediatos nas candidaturas da terceira via, o mesmo não se pode dizer de sua capacidade de tensionar  na mesma medida os candidatos mais bem posicionados.

Na última semana, Bolsonaro garantiu a aprovação da PEC dos Precatórios na Câmara Federal, passo importante para seu plano de reeleição. Em relação à entrada de seu ex-ministro na política, o presidente debochou a apoiadores do discurso, lembrou que Moro estava lendo o texto pelo teleprompter. Após isso, afirmou que o ex-juiz não havia aprendido nada ao longo do período em que ficou no governo: “nem a ser presidente e nem ministro”.

Lula, por sua vez, esteve com uma agenda completamente concorrente: realizando um tour pela Europa, reuniu-se com sindicatos e lideranças políticas, dentre os quais com o futuro chanceler alemão Olaf Scholz e com Josep Borrell, vice-presidente da Comissão Europeia e Alto Representante da União Europeia para Relações Exteriores. Nacionalmente, circulou ainda a notícia sobre a possibilidade de Geraldo Alckmin ser vice numa chapa com o ex-presidente, ao que ele respondeu que seria uma honra, sinalizando assim os acenos para a formação de frente ampla. 

A reação dos atores no tabuleiro evidencia, portanto, o alcance atual da força política de Sérgio Moro. Seu potencial imediato é evidente diante das candidaturas da chamada terceira via, que já encontravam dificuldade de se viabilizar. Diante dos competidores mais bem estabelecidos, os impactos demandam mais esforços e não há garantia de serem bem-sucedidos. Neste caso, somente poderemos observar alterações após desdobramentos vindouros, quando novas pesquisas poderão nos sinalizar prováveis movimentações.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.