Bemdito

Saída do lockdown e a dualidade da liberdade

No início, a OMS alertou que beber era uma 'estratégia de enfrentamento inútil' diante da pandemia. Não tenho certeza se concordo. Ou discordo
POR Cintia Bailey
Foto: Drew Farwell

No início, a OMS alertou que beber era uma ‘estratégia de enfrentamento inútil’ diante da pandemia. Não tenho certeza se concordo. Ou discordo

Cintia Bailey
cintia.bailey@outlook.com

No caminho oposto do Brasil, aqui na Inglaterra, as coisas estão melhorando. O primeiro-ministro Boris Johnson definiu um plano de saída do lockdown de quatro etapas. A primeira fase começou na segunda-feira, dia 12 de abril, quando algumas coisas voltaram a abrir, incluindo o varejo não essencial, cabeleireiros, academias, restaurantes, pubs, etc. As pessoas estão, literalmente, enlouquecendo com a abertura dos pubs, mesmo que isso signifique sentar no frio e na chuva, já que as pessoas só podem se socializar ao ar livre.

Como muitos, a liberação é algo que passei meses desejando e, agora que finalmente está aqui, não tenho certeza se quero. A Covid está nos deixando muito estranhos mesmo.

Em maio, mais coisas reabrem e, de acordo com o governo daqui, espera-se que todas as limitações possam ser removidas no dia 21 de junho. Ou seja, tudo liberado.

Chega sinto uma leve taquicardia.

Acredito que nem seja medo da volta da vida social. Na verdade, é exaustão. Pessoalmente, nunca trabalhei tanto na vida, em qualquer outro emprego. Nunca dormi tão mal, ou bebi tanto, e nunca senti como se não pudesse desligar em casa, depois de chegar do trabalho. E mesmo sendo um trabalho que eu realmente gosto e tenho muito prazer em exercer, é exaustivo.

E eu só fico sentada em um escritório a maior parte do tempo. Imagine aqueles que estão na linha de frente. O que tem sido falado bastante aqui é que o Serviço Nacional de Saúde (NHS) deve abordar realisticamente a retomada dos serviços interrompidos pela pandemia, e que reconheça explicitamente a necessidade das equipes clínicas se recuperar.

Muitos funcionários do NHS temem passar de uma crise para outra – da Covid para as enormes listas de espera para operações, tratamentos e procedimentos que tiveram que atrasar e parar devido a pandemia. Se me sinto cansada, não tenho certeza de que palavra usar para esses colegas. E não os culpo quando me dizem que também bebem como nunca antes.

As notícias desta semana foram uma mistura de duas realidades muito diferentes. Especialistas preocupados com as cenas de foliões londrinos apreciando a flexibilização do lockdown nos pubs da cidade – alertando que isso pode elevar as taxas de infecção – e o desabafo de pessoas que se acostumaram tanto a ficar em casa, que não querem mudar isso. Pessoas que desenvolveram um medo incrível de pegar Covid e não querem arriscar. Pessoas que descobriram no lockdown que amam suas personalidades introvertidas e vão mantê-las assim.

E outras pessoas, como eu, que além de um cansaço extremo há também uma dualidade: de querer reservar uma mesa para uma longa celebração da vida; e querer, ao mesmo tempo, um sono tranquilo e ininterrupto de pelo menos oito horas.

E gim e tônica, claro. Mas desses que eu compro no supermercado e faço em casa. Porque uma coisa que vai me chocar será a quantidade de dinheiro que vou gastar com isso se eu tivesse aquela mesa reservada.

Cintia Bailey é jornalista e podcaster. Está no Instagram.

Cintia Bailey

Jornalista e podcaster, trabalha com comunicação no Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra e é criadora e host do podcast Chá com Rapadura.