Bemdito

Ser professora negra

Professora Rosângela e o olhar atento que me garantia que eu era ouvida
POR Izabel Accioly
(Foto: Nsey Benajah)

Cabelos crespos sempre soltos, sorriso imenso, postura ereta, elegante e a pele preta que reluzia de tão bonita. Me recordo de sua voz aveludada se apresentando para a turma: professora Rosângela. Quando lembro da primeira professora negra que tive, as memórias estão sempre envoltas de muito carinho. Suas lições de português, literatura e redação foram marcantes. Eu tinha doze anos e estava longe de ser uma boa aluna, mas ela se aproximou de mim e me viu. Percebeu que eu odiava as regras gramaticais, mas amava ler. Compreendeu minhas dificuldades e vislumbrou potencial.

O anúncio de sua chegada já preenchia a sala. Muitas vezes vinha cansada para a aula, mas sempre tinha um minuto para saber o que eu estava lendo. “Me acompanha até a outra sala”. E assim, entre uma aula e outra, caminhando apressada entre os corredores, ela escutava atentamente o que eu tinha para falar de Lima Barreto e dizia “olhe, lá na biblioteca tem um livro… acho tua cara!”. E era. Ela acertava porque me conhecia.

Sinto que Rosângela me marcou porque me viu. Quando eu fazia alguma pergunta ou comentário, ela posicionava as mãos juntas, os dedos longos e o olhar atento que me garantia que eu era ouvida, percebida… que eu existia! Sua presença significava muito. Era a primeira vez que eu aprendia com alguém que parecia comigo, em quem poderia me espelhar.

Vinte anos depois me tornei professora. No começo deste ano, comecei a trabalhar com crianças e adolescentes na Escola de Dança e Integração Social para Criança e Adolescente, a Edisca. No primeiro dia juntas, quando liguei a câmera, as crianças começaram a comentar sobre minha aparência, elogiaram meu cabelo que eu uso solto e volumoso, como Rosângela usava. Agradeci as alunas, em sua maioria meninas negras, dizendo:

“Mas eu sou igual a vocês! A beleza que vocês veem em mim, vocês também têm”

Sinto que, para além das aulas de português, Rosângela me ensinou o que é ser uma professora negra. Realçou o quanto de potencial há em nós. Minha experiência de docência é muito marcada pela sua presença. Honro sua trajetória de docência à medida em que sou, para outras meninas negras, o que Rosângela é para mim.

Izabel Accioly

Mestra em Antropologia Social pela UFScar, é pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Relações de Poder, Conflitos e Socialidades da USP/UFScar.