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Acessibilidade, cultura negra e novas tecnologias

Projeto Mandinga na Ribeira, que exalta a cultura negra brincante, é voltado ao público cego e de baixa visão
POR Ivna Girão
Divulgação

Projeto Mandinga na Ribeira, que exalta a cultura negra brincante, é voltado ao público cego e de baixa visão

Por Ivna Girão
ivnanilton@gmail.com

Qual patuá você carrega no peito para trazer paz em tempos tão difíceis? Que brincadeira te faz esquecer o mundo lá fora? Que celebração renova a alma para seguir? Gosto de escrever aos domingos, é uma lembrança do mundo sem “obrigações”, dia de acordar com calma, de esquecer um pouco o celular, de ligar a mangueira no quintal e cantar, dançar com a água e com os filhos no terreiro.

Escrevo ainda com os cabelos molhados, um resquício da festa no jardim, de banho entre risadas e raios de sol no quintal. Que me perdoem os demais dias, mas o domingo é um respiro profundo na alma. E querido leitor e querida leitora, não sei bem o dia em que esse texto o encontrou, mas desejo que você sinta agora um pouco de alegria: que os dias consigam ser brincantes mesmo no caos.

E me lembro de uma canção que trago bordada na porta do quarto: “pra brincar de liberdade no terreiro da alegria”. Em um encontro bonito de memórias, fecho os olhos e me lembro do quintal da Ivna-menina, de uma infância livre, com os pés nas areias de Almofala. Recordo-me do meu avô, brincando de me esconder no caçuá, em uma tentativa de me disfarçar entre as arraias que chegavam do mar. E também me lembro da voz dele, ainda no meu ouvido: “vem pra beira, menina, que o mar te chama pra brincar”. A verdade é essa, vô, as águas nunca me devolveram do brincar, axé que sempre me faz lembrar do quanto é gostoso vadiar.

Por falar em brincar, trago aqui um convite bonito para celebrar a liberdade: acompanhar o projeto Mandinga na Ribeira, da cidade de Groaíras (CE). O grupo está com o espetáculo online Memórias de Abayomi, em cartaz no Youtube, e traz também a exposição virtual O Toque do Olhar na Cultura Afro-Indígena, sobre artefatos musicais do acervo, disponibilizado pelo grupo, que se destina especificamente ao público cego e de baixa visão. A proposta se efetivou por meio da criação e disponibilização na Play Store do aplicativo para celular Memórias de Abayomi. É a cultura negra brincante, arte de matriz afro-brasileira, com novas tecnologias e acessibilidade cultural.

“O espetáculo Memórias de Abayomi narra a história de uma mãe negra e sua filhinha com deficiência auditiva, em alto mar, vivendo um drama que mais tarde seria conhecido como diáspora africana no Brasil, forçando negras e negros a deixarem seu continente e sua família. A montagem evidencia os aspectos poéticos e brincantes da cultura negra por meio das danças africanas, da contação de histórias, da cantoria de cânticos e da dança de ritmos de origem yoruba, que se entrelaçam de forma harmoniosa, valorizando o diálogo emocionante entre as personagens principais. A história chega ao ápice com a consagração de uma encantadora boneca Abayomi, feita ao vivo pelas próprias atrizes. Protagonizado por mulheres negras, jovens agentes culturais residentes na periferia e na zona rural do município de Groaíras, LGBTs e crianças negras de periferia, o espetáculo traz como foco a inclusão social e a acessibilidade cultural”, afirma o grupo Mandinga na Ribeira.

Por falar em arte e acessibilidade, encerro esse texto com vontade de cantar. Assim, para adiar o fim do mundo, trago um pouco de Belchior em libras, na linda interpretação da artista Anne Magalhães. No Instagram, ela nos emociona, em um convite para o delírio de um “rapaz delicado e alegre, que canta e requebra, é demais”.

Ivna Girão é jornalista e Coordenadora de Comunicação da SECULT. Está no Instagram.

Ivna Girão

Jornalista, historiadora e escritora, é coordenadora de comunicação da Secretaria de Cultura do Ceará.