Bemdito

100 anos de Nice

No bordado, na culinária afetiva, nas telas e na vida, Nice Firmeza escreveu, pintou e bordou a sua própria história
POR Ivna Girão
Foto: Acervo Rachel Gadelha

Misture carimã e leite de coco. Acrescente cravo, gengibre e erva doce. Depois, o mel de rapadura. Mexa com cuidado, de preferência, com as mãos. Inclua a nata, a manteiga e o leite condensado. Antes de despejar a mistura na forma, forre com palha de bananeira. 

Do terreiro, escuto Nice separando talheres e pratos. O cheiro bom já tomou conta da cozinha. O pé de moleque ficou pronto, agora é cortar, servir e celebrar. Tem festa no Mondubim, à sombra do Baobá e, entre flores do sítio, as artes do Ceará comemoram o centenário de Nice Firmeza, pioneira nas plásticas – escreveu, pintou e bordou a sua própria história – em um tempo em que a cultura era dominada pelo machismo. Maria de Castro Osório, a Nice Firmeza, nasceu em 18 de julho de 1921, na cidade de Aracati, Ceará, e fez sua partida, aos 91 anos, no dia 13 de abril de 2013. 

Venha festejar, Nice, a mesa já está posta: tem bolo Nilice, doce de estrelas de carambola, sorvete de sapoti e flores colhidas do quintal para enfeitar. O terreiro está lotado, uma multidão celebra sua vida, obra, a simplicidade da sua existência, o colorido da sua alma, os saberes que espalhou mundo afora. Uma artista referência para as artes nacionais, que é inspiração, e que deixa, no Minimuseu Firmeza, um legado de muitas saudades. 

Nice é dessas mulheres que revolucionaram o mundo, é múltipla, danada, singela – no bordado, na culinária afetiva, nas telas e na vida. Começou a pintar com orientação técnica em 1950, quando ingressou na Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP). Descoberta por João Maria Siqueira, que era seu vizinho, em Fortaleza, Nice foi uma das primeiras mulheres a ingressar na SCAP.

“Foi na SCAP, em 1961, que teve início o romance com aquele que seria o amor de toda a sua vida, Nilo de Brito Firmeza, o odontólogo e também artista plástico Estrigas. O sítio onde moravam, no bairro Mondubim, foi mais tarde transformado pelo casal em uma casa-museu. Lugar de encontros, fruição e criação artísticas. Espaço que ficou conhecido como Minimuseu Firmeza. Desde lá até os dias atuais o minimuseu é conhecido por ser um lugar aglutinador, por acolher desde sua fundação diversas reuniões de artistas, memória, pesquisa, criação artı́stica e vivências com a natureza.

Constitui-se em um dos principais acervos de artes plásticas do Ceará, de onde se é possível contar e refletir sobre a história da arte do Estado, reunindo mais de 500 obras de importantes nomes como Mário Baratta, Antônio Bandeira, Raimundo Cela, Aldemir Martins, Barrica, Zenon Barreto, do próprio casal Firmeza, dentre outros. É inegável a participação de Nice na formação e preservação deste acervo”, afirma Paula Machado, professora e pesquisadora. 

Para festejar os 100 anos, trazer beleza e adiar o fim do mundo, agradeço pela sua vida, Nice, sua arte, sua alegria, um existir que se eterniza nas lembranças e nas suas obras pintadas e bordadas com delicadeza e sensibilidade. Você é inspiração! Viva Nice! 

De presente, um caderno de colorir.

E para conhecer mais sobre a artista, acesse o Minimuseu Firmeza.

Ivna Girão

Jornalista, historiadora e escritora, é coordenadora de comunicação da Secretaria de Cultura do Ceará.