Bemdito

Por que bater em mulher gera engajamento?

O fenômeno de homens que seguem sendo exaltados a ponto de colecionar ainda mais seguidores nas redes sociais
POR Camila Holanda
Foto: Reprodução

O DJ Iverson de Souza Araújo – conhecido como DJ Ivis – ganhou mais de 200 mil seguidores nas redes sociais, desde o domingo que passou, dia 11, após ter imagens divulgadas pela ex-esposa, Pamella Holanda, em que era agredida fisicamente por ele. A mulher estava no puerpério à época das imagens. Agora, é chamada de “louca” pelo artista. 

O goleiro Bruno Fernandes de Souza, acusado de matar a ex-namorada e mãe de seu filho, recebe o carinho do público em páginas de fã clubes na internet. Bon vivant Raul Fernando do Amaral Street, o Doca, que matou a tiros Ângela Diniz em 1976 foi de réu à vítima no primeiro julgamento, sob a égide falaciosa da “legítima defesa da honra”. 

A lista de homens famosos que são acusados de agressões contra mulheres é longa, a perder de vista. Johnny Depp, Harney Weinstein, Woody Allen, Roman Polanski, Lars Von Trier, Mané Garrincha, Dado Dolabella, Neymar. A coleção de nomes segue crescendo. Algo explica o fenômeno de homens como esses, como DJ Ivis, seguirem sendo exaltados, chegando até a colecionar ainda mais seguidores: uma sociedade calcada em bases misóginas e machistas.

A sociedade rapidamente absolve ou busca subterfúgios para justificar e proteger homens agressivos com suas atuais ou ex-companheiras, enquanto elas são culpabilizadas, questionadas e têm a credibilidade posta em cheque. Como Pâmella, são chamadas de loucas. Em vez de acolhimento, são revitimizadas. Você é quem naqueles vídeos expostos? A mulher que tenta ajudar a outra, o amigo que vê a situação e não faz nada, o companheiro que bate, ou a mulher que é agredida e tida como louca, portanto, culpada e merecedora da violências?  

No ano de 2019, uma agressão física praticada contra mulher era registrada a cada dois minutos no Brasil. Com o crescimento de 5,2% nos casos computados, foram 266.310 registros de lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica. Os dados estão compilados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O jornal Folha de S.Paulo, em publicação de junho de 2021, revela que 1.338 mulheres foram assassinadas no ano passado por sua condição de gênero. A maior parte desses crimes foi cometida por companheiros ou ex-companheiros.

O feminicídio é a última instância de situações que se configuram como agressivas, mas são minimizadas. Tapas, humilhações, cerceamento de liberdade, violência verbal, assédio sexual são alguns exemplos de formas de violentar mulheres. A violência psicológica é uma das que marcam profundamente as vítimas. Não deixa marcas aparentes e é alvo constante de questionamentos. 

Recentemente, o  Projeto de Lei nº 741/2021 foi aprovado pelo Senado Federal com o objetivo de tornar crime a violência psicológica, que, até agora, não é reconhecida oficialmente como crime. O texto, agora, segue para sanção presidencial. Sim, o presidente Jair Messias Bolsonaro é quem deve avalizar o PL. Ele, que foi denunciado na Organização das Nações Unidades por ataques contra mulheres jornalistas. Ele, que declarou apoio ao jogador de futebol Neymar, quando acusado de estupro. “Espero dar um abraço no Neymar antes do jogo. É um garoto. Está num momento difícil, mas eu acredito nele”, escreveu o presidente. É assim que são desculpados acusados, suspeitos ou agressores: garotos.

Visibilidade nas redes sociais

Ainda causa estranheza o súbito crescimento do número de seguidores do DJ nas redes sociais, após a divulgação das agressões. Ao “bombar” nas redes, o DJ só comprova que o sonho de uma “aldeia global democrática” não passou de utopia dos criadores da Internet, hoje dominada pelas grandes corporações. Os algoritmos priorizam e compartilham tudo aquilo que gera repercussão, sem se importar se é crime, se destrói nossos valores, se propaga exemplos machistas e violentos ou corrompe a democracia. O que vale é aumentar o tráfego nas bolhas das comunidades digitais, mesmo que às custas de um crime.

A antropóloga e professora Débora Diniz iniciou no domingo, 11, uma campanha chamada “O Instagram dá palco a agressores de mulheres”, em que defende: “O Instagram que derruba vídeos por moralismo puritano permite que agressores de mulheres mantenham as contas com selo certificado. O agressor de Pamella está aí com quase um milhão de seguidores. Não me interessa quem são essas pessoas: se machos como ele, ou se abutres da tragédia alheia. Até a conta do agressor de Pamella ser cancelada, todos os dias, iniciarei minhas publicações com essa frase: Instagram dá palco a agressores de mulheres”. 

Camila Holanda

É jornalista e mestranda em Comunicação na Universidade Federal do Ceará (UFC). Escreve conteúdos com perspectiva de gênero.