Sleeping Giants na mira
Grupo de advogados bolsonaristas destila ódio e pede endereço residencial do casal por trás do Sleeping Giants Brasil
Jáder Santana
jaderstn@gmail.com
Os Advogados Contra Censura querem o endereço residencial do casal por trás do Sleeping Giants Brasil. Em mensagem raivosa no Twitter, o grupo que se define como “cidadãos e advogados cristãos, conservadores e bolsonaristas” pede aos seus 34 mil seguidores que enviem essa informação para o e-mail da entidade. Forçado a sair do anonimato no fim do ano passado, o casal de Ponta Grossa, no interior do Paraná, agora pode ter seu endereço vazado por grupo que prega ódio e vingança.
A ira contra o Sleeping Giants Brasil, que se renova a cada nova ação do casal, ganhou força na noite de ontem, 23, quando o perfil pediu que seus seguidores respondessem nos comentários quais seriam as “empresas, planos de saúde, hospitais e médicos que estão vendendo o falso kit de tratamento precoce da Covid.” Na noite em que foram contabilizadas mais de três mil vidas perdidas, o Sleeping Giants pedia: “nos ajude a fazer alguma coisa além de contar diariamente o número de mortes que não para de crescer.”
Imediatamente, centenas de usuários responderam o tuíte citando estabelecimentos que promoviam o uso desses medicamentos – a Farmácia do Trabalhador Casa Caiada lançou o “Dia 1, Dia de tomar Ivermectina” – e políticos que apadrinhavam o kit Covid – a vereadora Lúcia da Saúde, de Osasco, solicitou que o executivo municipal implementasse em caráter de urgência o tratamento precoce na rede pública de saúde. O chamado do Sleeping Giants foi claro e tocou em ponto sensível – precisamos fazer algo além da contabilidade diária de tragédias e perdas.
De acordo com reportagem publicada pelo El País na última quarta-feira, 17, diversos hospitais, clínicas e planos de saúde da rede privada continuam prescrevendo medicamentos rejeitados pela comunidade científica. O kit de tratamento precoce da Prevent Senior, plano de saúde com mais de duas décadas no mercado, inclui prednisona, ivermectina, azitromicina, colchicina, hidroxicloroquina e vitamina D. Em Fortaleza, uma paciente diabética com dor de garganta procurou atendimento em hospital do Hapvida e recebeu cesta com hidroxicloroquina, ivermectina e prednisona – esse último, um corticóide utilizado para tratar doenças como asma, artrite e alergias, pode elevar os riscos de diabetes com apenas sete dias de uso.
A tragédia das mais de três mil mortes não chegou sozinha. Seguindo o roteiro de excessos e assombros diários do Brasil nos últimos dois anos, veio acompanhada, na noite de ontem, por notícias sobre a saia justa do País na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a furtiva posse do novo ministro da saúde, a decisão do STF sobre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro e a divulgação de efeitos mortais do uso irresponsável do kit Covid. Reportagem da BBC Brasil trouxe depoimentos de diretores de UTIs que associavam o uso indiscriminado desses medicamentos a maior risco de morte.
Ou seja, o lenga-lenga de que “se bem não faz, mal também não”, repetido à exaustão por Bolsonaro e seus seguidores, recebeu contestação óbvia e técnica. Os especialistas entrevistados pela BBC afirmam que o tratamento precoce contribuiu para aumentar o número de mortes de pacientes graves. A lista de efeitos colaterais é extensa. Vai de arritmia, diarréia e gastrite até problemas renais, hepatite medicamentosa e infecções bacterianas. Ao menos quatro pacientes que desenvolveram graves lesões após uso do kit Covid aguardam transplante de fígado em hospitais de São Paulo. Outras três pessoas morreram por hepatite causada pelo uso desses medicamentos. O número pode ser muito maior.
Mas os Advogados Contra Censura querem o endereço residencial dos Sleeping Giants. Os mesmos advogados que, em seu site, falam da “ditadura da pandemia do vírus chinês no Brasil” e anunciam em caixa alta que querem ajudar juridicamente “contra os abusos de prefeitos e governadores”. Prefeitos e governadores. O presidente permanece a salvo das investidas do grupo. Prefeitos, governadores e, agora, Leonardo de Carvalho e Mayara Stelle, o casal por trás do Sleeping Giants. Ele, ex-motorista de Uber. Ela, ex-vendedora de maquiagem. Aos 22 anos, já conseguiram o compromisso de mais de 700 empresas para a não veiculação de anúncios em canais de fake news, revertendo a monetização de pelo menos R$ 1,5 milhão que seria direcionada para esses sites.
Enquanto este texto é escrito, agem os conservadores radicais fazendo circular os dados pessoais de Leonardo e Mayara. Nos prints a que tive acesso, estão CPF, nome de pai, mãe, data de nascimento, telefone e o tão desejado endereço. A hashtag #sleepinggiantsgenocida aparece entre os tópicos mais compartilhados do Twitter, certamente insuflada por robôs. É o modus operandi da direita raivosa: intimidação, ataques direcionados, rápidos, devastadores. Uma versão digital do blitzkrieg nazista, a tática de guerra-relâmpago que se sustentava na surpresa, na rapidez e na brutalidade, desmoralizando e desorganizando os inimigos.
Não que exista qualquer traço de nazifascismo na conduta de nosso executivo e da fatia mais aguerrida de seus apoiadores, claro. No final das contas, tudo o que os advogados conservadores querem, como não cansam de afirmar, é lutar contra a censura.
Jáder Santana é jornalista e editor do Bemdito. Está no Instragam e Twitter.