Sobre armas e mortes
Como o fetiche armamentista do governo federal pode incrementar os índices de letalidade e criminalidade no país
Alex Mourão
alex.mourao5@gmail.com
Desde a sua campanha, uma das principais bandeiras do Presidente da República Jair Bolsonaro foi a flexibilização das regras de porte e posse de armas de fogo. Boa parte de seu eleitorado o apoia em tal iniciativa e se identifica com o fetiche armamentista. Após a eleição, o assunto ganhou mais importância, pois passou a ser foco de atenção do governo federal. Bolsonaro vem pagando a promessa e editando decretos no sentido de reduzir os controles sobre o comércio de armas no país. Via de regra, a justificativa do executivo é a “desburocratização” dos procedimentos.
O que se observa é uma redução do controle sobre armas e munições, além da possibilidade de aumento no número de armas circulando no Brasil. Os últimos decretos publicados em fevereiro ampliam o número de armas permitidas por pessoa autorizada de quatro para seis e aumenta a quantidade de recarga de cartuxos que desportistas podem comprar, de 1.000 para 2.000. Além dessas mudanças, o decreto substituiu o laudo de capacidade técnica por um mero atestado de habitualidade.
O que chama atenção sobre a política de liberação de armas é a ausência de qualquer fundamentação ou dado útil a amparar. Uma política com tantos impactos na sociedade não pode ser orientada apenas pelo senso comum da parcela da população que entende ser seu direito individual ter ou portar arma de fogo. A responsabilidade e os efeitos são coletivos, o que afasta da esfera puramente individual a decisão. Na verdade, os estudos disponíveis na literatura especializada vão no sentido contrário. É um problema coletivo.
Tanto é assim que estudo realizado em mais de 18 países, inclusive no Brasil, aponta uma forte correlação entre o número de suicídios e o número de armas de fogo vendidas. Quanto mais armas disponíveis, maior o número de pessoas que cometem suicídio.
Mesmo diante dessa triste constatação ainda há um intenso debate sobre a relação entre liberação de armas e seu uso para proteção. Inclusive esse motivo é o mais apontado pelos defensores da atual política federal.
Aqui também não há dados que suportem tal tese. Na verdade, o que ocorre é o contrário. As mais diversas pesquisas apontam que o risco de ser morto ou ferido em um assalto é muito maior quando a vítima está armada.
Para completar a relação com a segurança, grande parte das armas apreendidas pela polícia nas mãos de criminosos é fabricada no Brasil, ou seja, não entraram ilegalmente no país, estavam nas mãos de pessoas que adquiriram para se proteger, mas acabam nas mãos dos criminosos. Os dados ficam mais desconcertantes quando a análise se dá nos números de armas usadas em crimes com resultado morte: em 38% desses eventos as armas foram compradas legalmente e eram registradas no Brasil.
Os estudos apontam que quanto mais armas e quanto menor a sua regulamentação e controle, maior o número de homicídios, sem qualquer dado que indique redução de crimes contra o patrimônio, por exemplo.
Diante desse cenário, o Estatuto do Desarmamento, tão criticado pelas políticas armamentistas, tem sido um importante aliado na redução dos efeitos da violência que marca e mata por todo o país. Análises apontam que o Estatuto foi responsável por reduzir de maneira significativa os números da violência letal no Brasil. O que hoje está bem ruim poderia ser muito pior.
Diversas instituições no Brasil e no mundo pesquisam e publicam seus dados sobre a relação entre segurança pública, violência e flexibilização de armas. Não faltam argumentos para fundamentar boas políticas. Inúmeros dados, teses e debates também apontam para a mesma conclusão: flexibilizar o porte ou a posse de armas, ou ampliar o número de armas permitido por pessoas resulta em maior violência e perda de vidas.
Dessa forma, a grande pergunta é: qual o objetivo de medidas que promovem a circulação de mais armas e munições no país?
Alex Mourão é professor universitário, mestre e doutorando em políticas públicas. Está no Instagram.