O nebuloso horizonte brasileiro do pós-pandemia
Com o avanço da vacinação em diversos países e o anúncio da progressiva retomada das atividades, da reabertura de fronteiras e do relaxamento de medidas sanitárias, entre o ceticismo sobre a precocidade de tais ações e o otimismo de que a pandemia esteja sendo controlada em algumas regiões, voltaram a ser debatidas, com mais concretude, as mudanças efetivamente deixadas pela crise sanitária global.
O Brasil, apesar da desastrosa forma como tem lidado com o combate à pandemia, é influenciado pelo avanço aparente da retomada à normalidade em outros países, o que é percebido, por exemplo, a partir de pressões sobre a flexibilização de restrições sanitárias e a realização de grandes eventos.
Os debates sobre o “mundo pós-pandemia”, que iniciaram com um otimismo transformador, arrefeceram diante da percepção de que os problemas para lidar com a crise sanitária decorriam, de alguma forma, mais das ações e omissões humanas do que do vírus propriamente.
A transformação ética não foi concretizada, muito menos a social.
Na região mais desigual do mundo, a América Latina, as discrepâncias atingiram patamares históricos em 2020, quando foi estimado que cerca de 209 milhões de pessoas estavam na linha da pobreza. Além da faceta econômica, a desigualdade também foi aprofundada em todas as dimensões sociais, inclusive nas formas de racismo, violência de gênero, extermínio de povos originários, agressão a grupos LGBTQIA+ e exploração catastrófica do meio ambiente.
A dificuldade global e regional ganha contornos espinhosos localmente. O desafio brasileiro não é relevável. Enquanto são discutidas ações que possam gerar efeitos positivos no combate às desigualdades e na retomada de um crescimento econômico baseado em sustentabilidade social e ambiental, vivencia-se a tortuosa dinâmica de escândalos políticos, denúncias de corrupção e, sobretudo, ameaça à democracia.
As notícias dos avanços e retrocessos da tentativa de retorno à normalidade em outros países colocam-nos entre a dúvida sobre o quão distante estamos de sair da crise e o temor sobre o que virá nos próximos dias. Dar conta do cotidiano político e da crise sanitária, enquanto se vivencia uma realidade social inegavelmente precarizada, compromete o otimismo sobre um horizonte pós-pandêmico no Brasil.
A despeito das expectativas de mudanças paradigmáticas, o mundo pré e o pós-pandemia são constituídos por camadas de problemas semelhantes, senão idênticas. O projeto brasileiro central deve continuar a ser o combate às desigualdades históricas, sobre as quais a crise sanitária deixará reforço e aprofundamento.