Bemdito

Entre millennials e geração Z: o que passou batido no debate?

As trocas de farpas nas redes sociais entre as duas gerações dizem bem mais sobre o nosso mundo do que podemos imaginar
POR Leonardo Araújo

Afora as contínuas denúncias de corrupção no governo Bolsonaro, um tema que dominou as redes sociais nas últimas semanas foi a disputa geracional deflagrada entre Millennials e Geração Z. A questão surgiu a partir do post da publicitária Carol Rocha, perguntando o que, segundo a opinião da nova turma, poderia ser considerado cringe (forma verbal adjetivada, significando o ato de encolher o próprio corpo em razão de um sentimento desagradável).

O hábito de classificar as gerações de acordo com características específicas parece ter começado após a Segunda Guerra Mundial. O boom demográfico que se seguiu ao conflito, entre 1946 e 1964, passou a nomear então os rebentos que nasceram no período, os conhecidos baby boomers. Encontrando um mundo em reconstrução e em retomada de crescimento econômico, tinham como valores a busca por realização profissional, a estabilidade financeira e o desejo por constituir família.

À medida que a globalização e a hegemonia cultural dos Estados Unidos se estabeleciam, essas marcas geracionais passaram a ser compartilhadas, particularmente no ocidente, fazendo com que uma massa gigantesca de pessoas vivenciasse experiências parecidas e se identificassem com certas maneiras de olhar a vida.

Filhos dos boomers, a geração seguinte, “X”, compreenderia os nascidos entre 1965 e 1980. Também conhecidos como Geração MTV, pela influência cultural que o canal de televisão possuía na época em que chegaram à adolescência, ditando comportamentos e gostos, eram considerados preguiçosos, cínicos e pouco ligados aos valores sociais vigentes. Kurt Cobain, o qual recebeu as delicadas palavras da colega colunista Camille Castelo Branco, era um dos representantes mais bem acabados do ethos que os orientava. Com seus suéteres puídos, a atitude ao mesmo tempo blasé e contestatória e a raiva emoldurada pela desesperança, o cantor conquistou a devoção de milhões de adolescentes e de jovens adultos, misturando letras pop, riffs pesados e atitude punk.

A origem do Millennials

E então vieram os Millennials. A geração que cresceu ouvindo Rouge, Sandy & Júnior, Britney Spears e Backstreet Boys. Que dançou na boquinha da garrafa e segurou o tchan nos aniversários infantis regados à coca-cola e creme de galinha. Para quem a Internet era uma invenção misteriosa e de difícil acesso, já que cada pulso era cobrado, fazendo com que poucos minutos de navegação custassem uma fortuna. Por isso, era comum que seu uso se desse nas madrugadas e nos finais de semana, quando as linhas telefônicas podiam ser ocupadas a valores mais baixos, fomentando toda uma geração de adolescentes notívagos que interagiam entre si por meio do Mirc, ouviam música no Winamp e baixavam álbuns inteiros no Emule.

Nascido no já distante ano de 1984, é aqui onde me encaixo, um millennial, termo usado para referenciar os nascidos entre 1981 e 1996, de primeira hora. Como nossos antecessores, fomos taxados de mimados e preguiçosos. Geração Pampers, como li certa vez em um artigo, em razão de uma pretensa recusa de encararmos as responsabilidades da vida adulta, por havermos crescido em um mundo cheio de facilidades e de poucas exigências.

Essa análise, no entanto, tão cruel quanto imprecisa, é calcada muito mais em um moralismo simplificador do que em uma análise estrutural da sociedade em que vivemos. Recessão econômica, relações de trabalho precarizadas, crise do capitalismo, mudanças climáticas, fragilização da democracia são apenas alguns dos problemas herdados pelos millennials, tornando conquistas que, até um tempo atrás, faziam parte do campo de possibilidades de uma pessoa adulta algo praticamente impossível para nós.

Há um meme que ilustra isso de maneira tão engraçada quanto dolorosa. Um casal boomer olha uma casa e lamenta: “Gastamos todo nosso dinheiro nessa compra”. Abaixo, observando uma caixa de leite e um saco de pão, um millennial afirma a mesma sentença. Tão verdadeiro que dá vontade de chorar. Pode ser que, ao ler esta coluna, algum boomer ou mesmo um Gen X diga que não faço mais do que o esperado: choramingar. Paciência. Toda geração tem seu modo particular de ser cringe.

Ah, a juventude

Aqui retorno à polêmica entre Millennials e Geração Z para me perguntar por que ficamos tão afetados ao descobrirmos que nossos valores não são mais cool e que, agora, há outras pessoas ditando modas e comportamentos. Terá sido porque finalmente nos demos conta de que envelhecemos? Pode até ser, mas arrisco outro palpite.

Em uma publicação do perfil Aff The Hype, a personagem Moça entra em parafuso ao descobrir que é millennial e, portanto, não jovem. Não importa se escutava BTS ou se partia o cabelo no meio, duas coisas que marcariam os Z. Toda a formação cultural dela havia se dado num mundo completamente diferente e é essa verdade, a princípio não aceita, que a vai lançando em um território de sombrias incertezas, condensadas na última frase: “Eu sou jovem, ninguém vai tirar isso de mim”.

Tendo chegado aos trinta, temos que lidar com o fato de que nossas carreiras não decolaram como esperávamos, de que dificilmente teremos condições de comprar um imóvel e de que, talvez, diante da crise econômica que se aprofunda, tenhamos que voltar à casa dos pais com os rabos entre as pernas. Com a geração Z, descobrimos que, além de tudo, perdemos também a juventude.

No fim, a recusa da Moça não é de crescer ou de admitir que está envelhecendo, O que ela prefere desconhecer é a dificuldade de lidar com todos esses desafios que a ultrapassam em muito, sem poder contar mais com a juventude que lhe foi tirada do dia pra noite. Como disse certa vez um escritor beat, há poesia em ser um jovem com poucos recursos, índice do desapego aos valores de um mundo caduco. Mas envelhecer sem dinheiro, no capitalismo, se avizinha ao território da indignidade e da falta dos direitos mais básicos.

O que fazer diante disso eu não sei. Por enquanto, como bom millennial que sou, o que mais tenho feito é reclamar.

Leonardo Araújo

Psicanalista, é mestre em comunicação e doutor em sociologia, com pesquisa em corpo, arte e política.