Bemdito

Chá das Quintas entrevista Kyara Drummond

Coordenadora do concurso Igualdade Social, em Minas Gerais, Kyara foi aclamada no Miss Brasil Gay Plus Size
POR Tatiana Hilux

Tatiana Hilux // É um prazer ter você comigo mais uma vez, agora no meu espaço virtual. Como você chegou à coordenação do concurso Miss e Mister Igualdade Social?

Kyara Drummond // Oi, Tati. Primeiramente, gratidão por mais uma vez estar aqui com você e podermos partilhar experiências. Tenho acompanhado e feito parte dos projetos da ONG Casa Mãe Vovó Solidária por quase quatro anos. Tudo começou em 2018, quando conheci mais a fundo o trabalho da ONG, que tem como responsável a vovó Fernanda Tilepa. Ela sempre com seu carinho e amor pela nossa comunidade levanta a nossa bandeira, de todas aquelas que são invisíveis para a nossa sociedade atual. Isso me encantou e me envolvi mais com o projeto da vovó, até que recebi o convite dela para organizar o Miss e Mister Brasil Igualdade Social. É um projeto idealizado pela Fernanda Tilepa, que, 15 anos atrás, estava somente no papel. Era o sonho de sua filha, que era transsexual e foi brutalmente assinada, sendo vítima do preconceito. Daí veio o nascimento da ONG, que já tem 40 anos de história em Minas Gerais. Quando a vovó Fernanda Tilepa me fez o convite, não pensei duas vezes, e demos início a toda uma articulação para a realização do concurso. Hoje, na organização comigo, além da vovó Fernanda, temos o Igor Almeida, a Andressa Brasil e a Núbia Dellanoya, que, também, assim como eu, são pessoas que participam dos projetos da ONG, como o Divas e Divos, o projeto Bromélias, entre outros. Vale ressaltar que a ONG vive do amor e dos anjos doadores. Não tem ajuda governamental. Quem quiser conhecer mais a história da vovó Fernanda Tilepa, convido a acessar o Instagram. Lá terá um pouco da história da casa e das atividades que a instituição exerce. Lembrando também que a vovó Fernanda é uma senhora hetera e também uma Drag.

Tati // Somos misses aclamadas na franquia Miss Brasil Gay Plus Size. Você sofre ou sofreu represália por ter sido aclamada?

Kyara // Bem, Tati, vou deixar registrado aqui que tenho o maior orgulho de ter sido aclamada juntamente com você e também de ver que continuamos com a nossa representatividade, levantando a nossa bandeira sempre com muito amor. Ser aclamada, para muitos, pode ser apenas uma negação ou um título sem valor. Mas digo às pessoas que pensam assim que, pelo contrário, para chegarmos a tal patamar temos que escrever uma história digna, com muita honestidade. Durante a nossa trajetória, gastar milhões em concursos e a outra ser somente enfaixada não tem diferença alguma, pois quem faz seu reinado é você, e o valor é o mesmo. Toda aclamação é um reconhecimento de tudo o que escrevemos em nossa vida. Por isso, sou grata ao Rodrigo Pereira pelo reconhecimento e pela confiança que nos foi dada. Digo que a minha maior represália eu sofri foi dentro do próprio concurso, juntamente das outras misses, anteriores a mim. Pelo que me lembre, somente o atual coordenador Adriano Diniz veio me felicitar, mas as outras sempre sentiram uma diferença com a minha aclamação. Principalmente, a primeira, o que muito me admirou, pois também foi aclamada como eu e fui fui a única candidata que esteve presente na aclamação da mesma, cumprindo até então meu papel de Miss e de candidata. Mas não trago nenhum rancor delas, pois me orgulho muito da história que construí durante meu reinado em 2018. Foi tudo feito pensando no próximo, independentemente do que outras pessoas julgavam ou não. Pois eu estava ali realizada, mostrando um trabalho que nenhuma outra Miss Brasil Plus Size Gay havia feito. É como digo, não fui só a Miss de eventos, de fotos, mas fui também do solidário, do amor e do respeito ao próximo. Represália do público confesso que nunca sofri, pelo contrário, sempre tive o maior apoio. Então, só tenho que agradecer a Deus e a todas as pessoas que sempre estiveram ao meu lado, apoiando sem me julgar. E afirmar mais uma vez o meu orgulho de ter sido aclamada juntamente de você. Hoje com maturidade digo e afirmo que nós duas fomos vitrine da verdadeira representatividade da nossa classe Plus Size Gay, para que muitas hoje pudessem também mostrar que um título vai muito além da faixa e da coroa.

Tati // Como está a cena drag em Minas durante esta pandemia que estamos vivendo?

Kyara // Infelizmente, devido a todo o processo que estamos vivenciando nesta pandemia, muitos artistas perderam seus empregos e também o espaço em casas de festas que até hoje estão fechadas. Mas, com o “jeitinho brasileiro”, muitas estão se reinventando, fazendo lives. Espero que possamos voltar a sorrir novamente, continuar na persistência e levar alegria ao nosso público.

Tati // No último dia 28, comemoramos o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. Fale um pouco sobre essa data e suas lutas.

Kyara // Essa data é de suma importância para cada um de nós que fazemos parte dela. Hoje tenho um pensamento diferente sobre o contexto. Após passar por umas coisas, mudei meu conceito sobre o Orgulho LGBTQIAP+. Orgulho é uma palavra muito forte, que todos deveríamos levar ao pé da letra. É um sentimento de realização e de concretização de algo. Acho que ainda não alcançamos o nosso orgulho, pois não adianta eu postar em minhas redes sociais que sou militante, que levanto uma bandeira, e exigir respeito, se eu, LGBTQIAP+, não dou o exemplo, se não respeito meu companheiro ou companheira, se eu, por questão de ego, não conquisto algo e fico culpando outras pessoas sem olhar onde errei e o que posso melhorar, se, por questão de ego ou despeito, utilizo minhas redes sociais para caluniar uma pessoa por causa de uma opinião dada que foi contrária à minha, se utilizo minhas redes sociais como arma para derrubar uma pessoa sem ao menos conhecer, se eu por questão de ego quero ser melhor do que o outro. Aí eu te pergunto: onde está o Orgulho LGBTQIAP+? Como posso levantar uma bandeira e exigir de uma sociedade respeito e união se não dou o exemplo? Então, Tati, acho que para uma pessoa apoiar uma causa ela tem que ser exemplo. Eu já fiz parte de alguns movimentos LGBTQIAP+. Passei por três em menos de um ano. Mas não me adaptei ao sistema, pois eu não compactuava com algumas ideias que iam contra minha conduta como militante. Saí do meio e preferi fazer minha própria luta, no que acredito que é realmente orgulho. E também por ser um meio cheio de hipocrisia e as mesmas pessoas não perceberem que estão agindo de uma forma incoerente. O que realmente é um preconceito ninguém fala nada, mas uma simples opinião já faz uma explosão. Hoje sigo à frente juntamente da vovó Fernanda Tilepa no Igualdade Social. Também estou projetando alguns trabalhos de beleza para serem levados adiante futuramente. Entreguei a organização do Tríplice Coroa Mineira a uma pessoa de confiança para me dedicar ao Nacional. Mas, sinceramente, venho deixando de fazer algumas coisas para um dia dar um tempo e viver um pouco mais para mim. São praticamente 13 anos envolvida no meio e chega um momento que engolimos tanta coisa… Sabemos quando é a hora de parar. Pode ser que um dia a Kyara seja apenas uma parte boa da minha história que passou e espero que seja exemplo para alguns.

Tati Hilux // Kyara por Rodrigo: como o rapaz define a personagem?

Kyara // As diferenças são poucas (risos). Mas a Kyara é aquilo tudo que o Rodrigo às vezes não pode ser, por ele se sentir acanhado demais, principalmente no palco. Mas é uma mulher sonhadora, que sempre busca fazer o bem ao próximo e dar oportunidades às pessoas de realizarem seus sonhos, sendo aí o seu ponto fraco. Pois ao acreditar demais nas pessoas e dar o espaço, muitas não reconhecem. Ou participam de seus projetos confiantes que vão ganhar, mas aí, quando não acontece, a Kyara vira tudo de ruim. Quebram muito a cara. Muitas pessoas se aproximam dela com algum interesse e depois viram as costas. A Kyara é muito dada, é um coração de mãe que poucos reconhecem. Mas, acima de tudo, vem aprendendo a ser pé no chão. Como falei na resposta anterior, a Kyara está cansada do meio, muito machucada. Um dia pode vir a se tornar apenas uma história boa na vida do rapaz.

Tati Hilux // Como estão as expectativas para agosto, com esse concurso que está mexendo com o Brasil?

Kyara // As melhores possíveis. Quando começamos, estávamos eu e a vovó nos esforçando ao máximo para que o concurso pudesse ter visibilidade e, com isso, conquistasse um bom caminho. Hoje ver a proporção que o concurso está tomando é uma realização do dever cumprido, não só para mim, mas para a vovó também. Me deixa muito feliz ver o brilho nos olhos dela ao perceber o projeto ganhando o país e o mundo. Ver o carinho de cada um de vocês, e eu te incluo também, Tati. Isso tudo é gratificante. Olha que trabalho lindo que vocês do Ceará demonstraram na live, a corte da Bahia, do Rio, o pessoal do Mato Grosso, que faz um trabalho excepcional também. Tudo isso nos orgulha e nos deixa muito gratos. O Igualdade Social é um projeto desenvolvido pelo sonho de uma menina trans que foi vítima do preconceito, que um dia sonhou e falou com a mãe que queria algo com todas as categorias. E assim estamos fazendo. Vovó sempre com muita luta e perseverança. Estamos correndo atrás para fazer o melhor para todo mundo. E para termos três noites de muito amor e respeito reinando. Que venha agosto.

Tati Hilux // Gratidão por seu tempo e atenção! Diga uma mensagem para os leitores do Bemdito.

Kyara // Gratidão pelo convite, Tati, de poder estar neste papo produtivo com você. Gratidão pelo carinho. É sempre uma honra pra mim. Gratidão, mais uma vez, por você estar fazendo parte do Igualdade Social. Bem, meus amores e minhas amoras, deixo aqui o meu carinho especial a cada um de vocês. Quero dizer para vocês acreditarem sempre no potencial e no sonhos de vocês. Sejam fiéis à conduta, ao pensamento e às palavras. Não deixem que terceiros desestimulem vocês a alcançar o que tanto desejam. Sejam felizes, aproveitem a vida enquanto é tempo, sempre com amor e respeito ao próximo. Grande beijo.

Tatiana Hilux

Artista transformista desde 2000, é Miss Gay Ceará Oficial 2002 e Miss Gay Ceará Plus Size 2017. Parte do grupo artístico Turma OK, tradicional casa de shows carioca, também integra o Coletivo Artístico Divas.