Bemdito

PEC do Voto Impresso: reflexões sobre a conjuntura política

Ausência de votos para aprovação e falta de apoio do Centrão contrapõem percepção de vitória de Bolsonaro
POR Monalisa Soares
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

A votação da PEC do Voto impresso foi um dos temas que movimentaram o noticiário político da semana que passou. Perpassada por controvérsias, após ter sido apresentada para votação em plenário pelo presidente da Câmara, mesmo após ter sido derrotada na Comissão Especial, a proposta foi arquivada por não alcançar os 308 votos necessários para a aprovação.

Analisando a votação e os movimentos políticos que ensejou, podemos identificar elementos relevantes da conjuntura política em curso que nos ajudam a refletir sobre os atores políticos e as disputas que virão. Nesse sentido, gostaria de destacar neste texto três reflexões que o processo suscita.

A primeira delas refere-se ao fato de que a insistência do governo na discussão do voto impresso é evidência do quanto está acuado. No modus operandi do bolsonarismo, em meio ao desgaste, é lugar comum lançar mão de temas e ações políticas de alta performance com o fito de animar ideologicamente a base mais fiel.

No caso específico da PEC do voto impresso, pudemos observar alguns eixos de articulação política do grupo: ataque ao Judiciário (especialmente Justiça Eleitoral e Ministros do STF), mobilizações de rua em apoio à medida e atuação das Forças Armadas com desfile de tanques no dia da votação da PEC (o que foi claramente entendido como forma de intimidação por parlamentares).

O governo compôs, portanto, um repertório de reação aos desgastes que vêm sofrendo, agendando o debate político, atacando os opositores e as instituições e mobilizando os apoiadores ao reforçar seu discurso ideológico.

A votação da PEC também nos permitiu observar como os partidos que se apresentam como opções de terceira via possuem dificuldades de se diferenciar significativamente do governo. Conforme levantamento, PSDB, DEM e PSD tiveram a maioria de seus parlamentares favoráveis à medida, votando em consonância com os governistas. Cabe destacar que tal convergência não surgiu por ocasião da discussão sobre o voto impresso.

Em pesquisa realizada pelo Congresso em Foco, em setembro de 2020, sobre o nível de governismo dos partidos na Câmara Federal, os três partidos citados superam a taxa de 90%. Ainda no campo da terceira via, apesar de o PDT (através do presidente da sigla e do pré-candidato) ter feito uma defesa pública a favor da proposta em nome do argumento de ser uma bandeira histórica, é relevante destacar que a maioria dos(as) parlamentares votou contra em virtude da captura da pauta pelos bolsonaristas.

Por fim, observando sob a perspectiva da comunicação política, me chamou atenção como setores oposicionistas e de esquerda rapidamente incorporaram o enquadramento que interessa a Bolsonaro: a de que no saldo final do evento, ele foi vitorioso. É evidente que toda a performance gerou dividendos ao presidente. O fato de o número de votantes favoráveis ter sido superior ao de contrários (229 contra 218) adensa o discurso de vitória entre bolsonaristas.

Somado às mobilizações que ocorreram em apoio à medida, o resultado dá fôlego à retórica de deslegitimação do processo eleitoral perpetrado pelo presidente. Prova disso são as críticas de Bolsonaro ao TSE e a acusação de que a eleição de 2022 não será confiável, feitas um dia após a derrota e o arquivamento da proposta. No entanto, a meu ver, o enquadramento do evento pode ser disputado. Mas só pode se as oposições não entregarem a vitória de pronto ao presidente.

Se, como disse acima, há boas condições de que o presidente capitalize em favor de seu discurso o resultado da votação, mais do que nunca as oposições devem disputar o enquadramento sobre a votação, assim como buscar delimitar outros termos para a discussão política. A ausência dos votos para aprovação, mesmo com a liberação de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares, e a falta de apoio entre parlamentares do Centrão servem de evidências para contrapor a percepção de vitória absoluta de Bolsonaro. 

Escrevi, aqui no Bemdito, sobre a necessidade de exercitarmos o realismo político em nossas análises, sem sucumbir ao fatalismo ou à superestimação, buscando nos guiar pelos dados e fatos que ganham sentido a partir de perspectivas processuais e institucionais. 

Assim, compreendo que a votação da PEC do Voto impresso nos serve de bom exemplo para analisar a conjuntura política, pois nos revela aspectos que vêm se anunciando na dinâmica política e terão consequências diretas para as disputas vindouras. 

Em síntese: a) um governo acuado mobilizando uma de suas melhores armas para manter-se competitivo; b) uma terceira via com significativas dificuldades de constituir uma identidade política alternativa e c) setores de oposição que precisam aprimorar suas estratégias de comunicação política para enfrentar o governo num campo em que este é bastante efetivo.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.