Quem é você no fim de ano?
O “introspectivo sensível” terá trabalho extra neste mês de dezembro de 2021. A retrospectiva é pesada e o futuro nunca foi tão incerto. Ou talvez sempre tenha sido, mas a gente podia fingir uma previsibilidade.
Os eufóricos otimistas já devem estar com a lista de grandes promessas para 2022 pronta. Provável que já tenham feito um corte diferente no cabelo, para dar início às mudanças. Nada contra. Para mudar também precisamos de suportes imaginários.
E a turma dos “deixa disso” segue sua rotina, tentando convencer a si e aos outros de que afinal “ano novo é só mais um dia no calendário”.
A forma como a gente encara o fim de ano nos dá uma boa pista sobre a nossa relação com um dos deuses mais lindos, o tempo. Vamos deixando correr, como uma linha reta e direta até o final? Ficamos relançando apostas e promessas para depois? Estamos atentos à sua passagem e aproveitamos para ir retirando da mala o excesso de bagagem?
Balanços de fim de ano são micro ensaios para o balanço final.
No seminário sobre a Ética da Psicanálise, Lacan nos coloca uma pergunta forte: “agiste conforme o desejo que te habita?”.
Agir em conformidade com o desejo não se confunde com promessa de felicidade ou realização de vontades conscientes. Ao contrário, como dirá Lacan, “mesmo para aquele que avança ao extremo do seu desejo nem tudo são flores”. O desejo é um bicho insistente e dá muito trabalho. Exige, sobretudo, assumir a responsabilidade pelo que se faz e pelo que se diz.
Não há resposta fácil para essa pergunta, mas temos algumas pistas. Culpar os outros por tudo que está ruim ou por tudo que você deixou de fazer, merece um alerta amarelo. Freud chamou isso de “covardia moral”.
Coragem, leitor. É o que nos desejo para 2022. Nossas inadaptações, às vezes, são a nossa maior riqueza. Podem se tornar a fonte de um estilo singular de estar no mundo, se soubermos encontrar um lugar para elas, dentro de um enquadre civilizatório. Um bom plano para o próximo ano seria acolher o que há de mais esquisito em nós.