Eu não nasci pra essa monogamia
Virando a instituição casamento do avesso para ver o que sobra
Mariana Marques
marianamarquesb@gmail.com
Essa instituição desde sempre lucrativa, o casamento: pesado, eterno, baseado num projeto. Debaixo desse tapete, penso eu, mora a falência absoluta. Uma falência moral e social. Um cartaz escrito: desista, a monogamia não dura mais dez anos.
Penso que desde a mais tenra idade já queria ser livre e não dar satisfação. E só quando cresci comecei a entender que o depositário da satisfação adulta não mais é a mãe, mas o cônjuge. O cônjuge é o limitador absoluto do prazer descompromissado. Só hoje tenho essa consciência, mas assim segui buscando companheiros (estou no segundo) que acima de tudo fizessem comigo acordos claros e me ajudassem a entender certos limites.
Não fui sempre sincera, nem eles comigo. Guardamos essa falha mútua. Fizemos o que podíamos e creio que sigo dando continuidade a isso.
Não pense você que ficaria tranquila com uma escapada por cima do muro do meu cônjuge atual. Deflagraria uma discussão terrível, mas baseada no processo civilizatório com que acho que temos compromisso. Penso o mesmo sobre como aconteceria caso fosse o contrário.
Não que eu queira ostentar dois maridos (um já é mais que o suficiente) ou esteja pronta pra viver um poliamor ou um relacionamento aberto. Não estou. Mas sigo na esperança de que criemos corpos mais livres, menos obrigações de prendê-los em caixas, menos expectativas de que nossos companheiros ou companheiras desejem apenas nós mesmos. Não existe essa pessoa, ainda que você não tenha coragem de pensar nisso. Isso seria um tipo de isolamento sexual absurdamente estéril, e, me ouça: ninguém aguentaria.
Sigo vivendo meu acordo (um mal necessário, na falta de um modelo melhor) de continuar monogâmica porque foi o contrato menos pior que achamos. Mas o que quero para as gerações futuras (se tiver água no planeta e vacina) é o direito de que possam escolher como se comportar, sem preocupação com as fofoqueiras da esquina, sem que mulheres sejam categorizadas em “de família” ou “rapariga”. Para além disso, que tenhamos direito à vida, já que a cada onze minutos uma de nós morre normalmente por uma tentativa de controle de nossos corpos.
Não falo só de poder transar com quem quiser, de paquerar na rua com sedução. Nem precisaria. Mas acho que a tentativa de controlar os ciclos sociais e as relações dos nossos parceiros já nasce incompetente e derrubada. É uma tentativa de controle de pensamentos que não funciona. O resto tudo bem, cada casal que faça seus acordos.
Que fofoquemos menos, que lutemos contra a cultura do cancelamento, que coloquemos menos expectativas nos nossos modelos, que tenhamos cada vez menos a obsessão tacanha, já dizia papai Caetano Veloso, de querer saber com quem o povo se deita. Estamos em 2021.
Amém.
Mariana Marques é publicitária e artista plástica. Está no Instagram.