Bemdito

Plano diretor não é feitiçaria, é tecnologia

A lei que define seu cotidiano na cidade
POR Rodrigo Iacovini

A lei que define seu cotidiano na cidade

Rodrigo Iacovini
rodrigo@polis.org.br

Alô, alô, Fortaleza! Alô, São Paulo, Rio de Janeiro e Natal! Você está cansado de perder muitas horas no ônibus a caminho do trabalho? Não aguenta mais a sensação de insegurança? Sente muito calor quando está andando pela cidade? Acha um absurdo demolirem construções históricas para dar lugar a prédios de luxo que ficarão vazios?

Seus problemas acabaram!

Com o novo Plano Diretor Participativo – modelo 2021, tudo isso pode se tornar realidade! Não é feitiçaria, é tecnologia.

Paródias à parte – afinal, quem não lembra dos milagres prometidos pelas Organizações Tabajara do Casseta & Planeta ou de anúncios mirabolantes para compras por telefone?! -, planos diretores são instrumentos centrais para a resolução de problemas urbanos. Revisto periodicamente, é a lei que estabelece as principais diretrizes para o desenvolvimento de cada município, dirigindo suas políticas públicas e até mesmo seu orçamento.

Não, não é feitiçaria, tampouco um milagre. Não funcionam sozinhos, como o aparelho que promete definir os músculos do abdômen. Os planos diretores não transformam automaticamente as cidades a partir de sua aprovação. Já aprendemos que seu conteúdo somente ganha vida de fato a partir da correlação de forças sociais e econômicas sobre a gestão municipal.

Na Constituinte de 1988, os planos diretores foram uma imposição de setores tecnocráticos e conservadores que queriam frear as reivindicações do movimento pela reforma urbana. Uma tentativa de postergar a definição da função social da propriedade urbana, a qual buscava condicionar esta propriedade ao bem estar coletivo.

O movimento tentou então fazer do limão uma limonada, afirmando que os planos deveriam ser participativos e consignar uma espécie de pactuação entre os diversos interesses em torno da produção de cidades. E investiu muito em se apropriar deste instrumento para transformá-lo numa oportunidade de democratização das cidades.

Décadas depois, já conhecemos bem os limites dessa aposta. Muitos inclusive apontam suas contradições e o jogo de luzes e sombras que os processos de elaboração dos planos se tornaram – enquanto movimentos e organizações fazem disputas e pressões às claras em arenas públicas, setores econômicos trabalham em negociações em gabinetes, a portas fechadas.

Não se trata de uma visão maniqueísta do processo. Com maior ou menor intensidade, é assim que ocorre. O setor público é mais permeável à participação real de alguns atores do que de outros, variando pouco, inclusive mesmo sob uma clivagem político-partidária entre partidos de esquerda e direita, vide o exemplo do Plano Diretor Participativo de Fortaleza, aprovado em 2009, na gestão de Luizianne Lins (PT).

Mesmo assim, quem luta pelo direito à cidade sabe que, se já é difícil alcançar isso com um plano diretor bom, que dirá com um plano diretor ruim. E o que faz um plano diretor ser bom ou ruim para a cidade? Primeiro de tudo, seu processo de elaboração… Mas isso já é conversa para uma próxima coluna.

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Rodrigo Faria G. Iacovini é urbanista e coordena a Escola da Cidadania do Instituto Pólis. Está no Twitter e Instagram.

Rodrigo Iacovini

Doutor em Planejamento Urbano e regional pela USP, é coordenador da Escola da Cidadania do Instituto Pólis e assessor da Global Platform for the Right to the City.