Quem vacinará nossos pretos velhos?
Os números da vacinação no Brasil revelam que o racismo estrutural também se manifesta no combate à pandemia
Izabel Accioly
mariaizabelaccioly@gmail.com
Quando Monica Calazans foi vacinada naquele domingo de janeiro, eu chorei de emoção. A enfermeira negra foi a primeira brasileira a ser vacinada contra a Covid. Achei simbólico o ato, me senti feliz e esperançosa. Entretanto, o que se seguiu não confirmou as esperanças dos brasileiros que anseiam pela imunização contra esta doença: segundo dados do consórcio de veículos de imprensa, apenas 6,04% da população recebeu a primeira dose da vacina. A vacinação caminha a passos lentíssimos e, quando observamos os dados do processo de imunização, percebemos que a desigualdade racial se apresenta no modo como esta ocorre.
Negros são a maioria entre os casos de Covid no país. São também a maioria dos que morrem em decorrência da doença. Os dados são da Agência Pública e demonstram que, no país, existem 3,2 milhões de pessoas brancas que receberam a primeira dose da vacina, e, entre pessoas negras, este número cai para apenas 1,7 milhões. Estes números nos fazem refletir sobre o racismo estrutural que organiza nossa sociedade.
A desigualdade racial corta toda a realidade brasileira. Analisando os dados sobre a vacinação, percebemos que a escolha dos grupos prioritários influenciou o resultado da pesquisa. Negros são minoria entre os mais velhos. A violência policial e a falta de acesso à saúde são apenas dois dos problemas sociais que nos fazem morrer antes de alcançar a velhice. Há uma maior incidência de doenças crônicas como diabetes e hipertensão entre a população negra, o que nos torna grupo de risco para o coronavírus.
Além disso, entre os trabalhadores da saúde, eleitos como grupo prioritário, negros também são minoria. Os dados apurados pela Agência Pública demonstram que os trabalhadores terceirizados dos hospitais, o pessoal da limpeza, não foram vacinados em alguns municípios por não serem considerados “linha de frente” no combate à Covid. A população negra é a maioria no subemprego, sem direito a manter-se protegida em casa pois ganha seu sustento dia a dia, sem garantias. Para esta parcela da população, é impossível manter o isolamento social rígido sem auxílio emergencial com valor digno para que possam garantir o básico.
A pandemia que enfrentamos reflete as condições de subalternidade pré-existentes e, para além disso, aprofunda a desigualdade sociorracial brasileira. Assim o racismo se atualiza cotidianamente com a finalidade de manter a hierarquia que nos aparta.
Izabel Accioly é antropóloga, professora e pesquisadora das temáticas de relações raciais e branquitude. Está no Twitter e no Instagram.