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Entre análises e argumentações: diferenças entre notícia e opinião
POR Simone Mayara

Entre análises e argumentações: diferenças entre notícia e opinião

Simone Mayara
simonempf@gmail.com

A partir dos anos 2000, sobretudo, mas já antes, nos 1990, surgiu um fenômeno de “especialistas” e “analistas” de tudo. Na verdade, talvez até tenha sido antes. Mas é a partir dos 1990 que posso falar sobre o mundo e nos 2000 é quando posso falar com mais consciência, então digo que cresci neste mundo em que, para justificar algo, bastava fazer referência a uma pesquisa da Universidade de: insira aqui nome complicado de dizer ou de alguma cidade bem famosa tipo Nova York. Mas além de referência científica, também cabe a referência a um jornal. Durante muito tempo, o dito no Fantástico aos domingos já era lei na segunda-feira. Agora, na época da Internet, essa fonte foi multiplicada e as referências cresceram muitíssimo. Além do Fantástico, começamos a ouvir mais nomes de pessoas: o fulano falou sobre. E é aí que quero chegar.

Jornal geralmente dá notícia e aí tem um momento para as análises e colunas de opinião. Correto? Deveria. Nos jornais escritos, há uma parte separada para isso e sites como este, que você acessa para me ler, são declaradamente opiniosos. Então vamos lá separar os conceitos. Notícia é fria. Dado frio e, de preferência, interessante. Há um dito: avião voando não é notícia, avião caindo é. Porque o corriqueiro não é excepcional. Afora isso, há a opinião. Opinião é o que você acha, simplesmente. Carregada de emoção, e não há qualquer problema nisso. Mas opinião não é notícia. Nela, você pode dizer que o avião era feio, que ele não deveria ter caído, você pode chorar pelo avião.

Agora, o argumento. Diferente da opinião, o argumento segue cadeia racional, concatenação que pretende chegar a um fim. Pretende explicar e, pasme, não necessariamente tem apego à realidade. O argumento pode fazer uma volta enorme usando toda a lógica para argumentar que o erro foi do piloto e livrar o seguro de alguns pagamentos, assim como o argumento pode ser todo desenhado para provar que a empresa tem responsabilidade e o piloto está livre de qualquer responsabilidade. Ainda cabe aqui alguma emoção, mas o foco é a construção lógica para argumentar a favor de um ponto de vista. Diferente da notícia, aqui há um lado.

E, enfim, a análise. Processo trabalhoso que não deve dizer respeito à defesa de uma visão ou à emissão de opinião pois é resultado da coleta e cruzamento de dados somados ao conhecimento adquirido. O resultado é a descrição de cenários e possibilidades. Disso é feita a análise e, a partir dela, decisões serão tomadas. Decisões sérias e relevantes quanto às políticas públicas, por exemplo. Também na administração de negócios, empregos e capital. Por isso, essas análises não podem e não devem ser feitas pelas emoções, ou pela simples argumentação, já que, por esta última, chega-se ao que se acha, mas não necessariamente ao que condiz com a realidade.

E disso surge uma confusão: dar notícia e analisar a notícia começaram a ser tratados como uma coisa só. Não são. E se a comunicação é um exercício entre emissor e receptor, deveria estar clara a diferença, para que dessa forma o receptor seja capaz de absorver a informação de maneira mais consciente e, principalmente, saber o que fazer com ela. O argumento de autoridade – fraco, por sinal – materializa-se, por exemplo, quando alguém diz ter visto, lido ou ouvido determinada informação em grandes meios de comunicação sem fazer, porém, essa separação de análise e notícia. Esse tipo de argumento de autoridade é um pequeno agente do caos. E não, não estou exagerando. Por outro lado, também é confuso para a sociedade quando determinados veículos de comunicação produzem análises que recebem o nome de notícias.

Quando o receptor não é tratado como alguém inteligente, mas só uma caixinha na qual se coloca a ideia que se quer, fantasiada de outra coisa – e isso é somado à sociedade de informação e mídia que vivemos -, ajudamos a produzir megafones que apenas replicam. Encaminham. Repassam e não são tratados como agentes do pensar. As famosas fake news são um dos efeitos disso. A infantilização da sociedade passa muitíssimo pela informação, educação e linguagem. Esse é um dos exemplos. A nós cabe, portanto, analisar a análise. Tentar ler na notícia o que ela é. Trabalhoso, sim, mas exercita o pensamento e garante alguma margem de independência.

Se “avião voando” não é notícia, mas “avião caindo” é, o “avião malvado que mereceu cair” não é notícia, mas opinião.

Simone Mayara é Analista Política no Instituto Livre Mercado. Pode ser encontrada no Instagram.

Simone Mayara

Analista política, é especialista em Direito Internacional e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política. Atualmente é sócia na consultoria de diplomacia corporativa Think Brasil.