Não podemos esperar os 40
Aquele momento da vida em que “doida” passa a ser muito mais elogio do que defeito
Mariana Marques
marianamarquesb@gmail.com
O passar o tempo é coisa sem comparativo. Nada como ele, nada mesmo. É pensando nisso que afirmo que só a proximidade dos 40 anos resolveu questões que nem o incentivo dos amigos, o carinho da mãe ou a dureza da análise tinham resolvido. Temo que a gente só comece mesmo a viver aos 40, e isso me dá uma tristeza, que chega a doer.
Penso na quantidade de tardes que perdi com medo de ter dito algo errado, com medo de não ser boa o suficiente, chateada porque tinha os braços grossos, o nariz grande, pouca estatura. Penso também nas vezes em que quis me esconder porque falhei, e nas relações que terminei apenas com meu silêncio por não ser capaz de olhar no olho do outro e dizer o que sentia. Que pena.
A proximidade dos quarenta me deu a possibilidade de escolher outras palavras e expressões para dizer o que precisa ser dito, a coragem pra dizer o mais proibido dos nomes, a ousadia de usar a roupa que eu quiser, na ocasião que eu bem entender. De sair sem pentear o cabelo. De não me importar se alguém me julga… doida. Doida passou a ser muito mais elogio do que defeito, confesso. Até me afeiçoei pela minha porção doida. Hoje, quiçá, minha faceta favorita.
Vejo muitas (de nós) dizendo que o tempo fez com que se achassem mais bonitas, com que aceitassem seus corpos. Flerto, porém, com uma versão de mim que não precisa ser bonita, que não precisa ter um corpo aceito ou reprovado (nem mesmo por mim), que se sente mais do que nunca pronta para o real. Essa deve ser a versão mais frequente, especialmente em tempos tão difíceis.
É de mãos dadas com ela que sigo, tentando fazer as pazes com tantos oldselves incapazes de se perdoar pelo menor deslize. Que eu nunca mais veja no espelho aquela menina, de farda alvinegra, no reflexo do espelho às 7h05 da manhã, que não se achava boa o suficiente pra enfrentar a sala de aula. Que ela more dentro de mim escondida, apenas para me lembrar do viço que um dia tive (embora não acreditasse).
Se eu pudesse desejar qualquer coisa para as gerações futuras, era que começassem a entender isso na metade do tempo. Se formos menos competitivas, menos comparativas, se aceitarmos as diferenças com os braços mais abertos, sofreremos menos, começaremos a vida (real, digo) mais cedo, e faremos sofrer menos quem está ao nosso redor. Sem filtro, se vai mais longe. Desamarradas, devemos seguir.
Amém.
Mariana Marques é publicitária e artista plástica.