O jardim em páginas
Uma lista de recomendação de leituras especiais sobre a arte de contemplar as plantas e os jardins
Contemplar não é tarefa fácil. Exige uma certa disposição espiritual para a passividade física. Você precisa permanecer calmo, deixar o corpo se acomodar em uma posição confortável, para então permitir que sua sensibilidade divague, inspirada pelos estímulos que chegam do exterior ou interior. Há quem contemple caminhando, o que não deixa de ser uma forma de abandonar-se a si – o passo constante, suave e repetido como o ritmo da respiração.
Contemplar também exige atenção, que é a capacidade de se deter no detalhe, na descoberta do que não é evidente à primeira vista, o que só se manifesta quando damos ao nosso alvo de observação tempo para ser e estar.
Poucas criações são tão prazerosas de se contemplar como um jardim. Seres despudorados e calmos, as plantas deixam-se mirar, muitas vezes enquanto se bronzeiam, languidamente espichadas sob o sol. Mutantes por natureza, podem amanhecer em exuberante inflorescência ou melancólicas, desfolhando-se como quem perde os cabelos graças a uma infelicidade. Há árvores dadas a intensidades, como os ipês e os jambeiros, e árvores confiáveis em seu centramento, como os pinheiros, rígidos e tesos com as cabeças apontando para o céu.
Aprende-se muito com a observação das plantas, ainda que os amores botânicos estejam quase que inteiramente fora de moda. Fique alguém parado imóvel diante de um jardim e será considerado um excêntrico, uma alma exótica. Uma planta é um ser tão silencioso e frágil (se considerarmos por fragilidade a disposição de se deixar abater, ainda que com grandes esforços), que sua presença já considerada um estorvo no labirinto das cidades.
A relação amorosa entre olhos humanos e plantas já rendeu boas páginas da mais fina literatura. Resgatá-las é uma forma de antídoto contra o cansaço das telas. Deixo ao leitor uma lista singela com alguns exemplos de bons livros para refletir sobre a arte de contemplar essas belezas que se dão sem esforço, desapegadamente.
Em A poética dos jardins, os autores Charles Moore, William Mitchell e William Turnbull oferecem uma fina pedagogia do olhar. Eles nos convidam a entender os significados aparentes e os mais sutis de algumas paisagens, e propõem classificações nada convencionais para jardins e cenários em plena natureza intocada. Mais do que um tratado sobre a jardinagem, a obra oferece a compreensão de que mesmo no fazer manual há uma poética, que pode ser a transformação da natureza em um espaço de beleza, de convite à contemplação e ao prazer de viver.
Publicado em 2019, a coleção de poemas O livro dos jardins, de Ana Martins Marques, está na categoria “joias” de minha biblioteca pessoal. Gosto tanto do livro que guardo um exemplar extra para o caso de perdê-lo, e já o ofereci de presente a algumas pessoas. Finamente editado pela Editora Quelônio, a obra traz uma poesia que se debruça sobre os humores e as emoções ocultas nas flores, jardins e raízes.
Ana Martins Marques é capaz de criar imagens de intensa beleza, que merecem ser lidas e relidas sempre que alma estiver cansada: “aprender/com certas flores/para quem ser/é espalhar-se/e que num sopro/se soltam”. Depois de ler as suas páginas, nunca mais vi um girassol da mesma maneira. O livro é editado em papel especial, com marcador de páginas que pode ser destacado e plantado em seu jardim. Cada exemplar é costurado à mão e numerado, e a impressão do texto dos poemas foi feito em linotipia. Um primor. Guarde o seu a sete chaves.
Uma bela tradução de A metamorfose e outros textos, de Johann Wolfgang Goethe foi publicada no Brasil em 2019. O livro vale não só por apresentar uma faceta nova do autor alemão, mas por evidenciar o universo de preocupações científicas do século XVIII, e a falta de demarcação rígida entre ciência, literatura e filosofia no período. Embora no texto haja uma preocupação científica de Goethe sobre a metamorfose das plantas, as analogias entre o reino vegetal e a natureza humana são muito ricas.
“Como agora consideramos uma determinada construção admirável e aprendemos a ver mais de perto a maneira como se alça à luz, deparamos de novo com um princípio fundamental da organização: que nenhuma vida poderia atuar sobre uma superfície lá mesmo externar sua força produtora; ao contrário, toda atividade vital demanda um invólucro que a proteja contra o rude elemento exterior, seja água ou ar ou luz, que conserve sua fina essência, a fim de que leve a termo o que especificamente cabe a seu interior”.
O mais científico da lista, não é por isso menos agradável de ser lido. O livro A vida secreta das árvores é um best-seller muito informativo, que revela a complexidade e também a beleza da vida vegetal, abordando a simbiose de vida entre as plantas e tudo que está ao seu redor, dos fungos aos homens. Os saberes do livro o farão relembrar o filme Avatar, que explora o mesmo mote: o equilíbrio da natureza é sutil, hipercomplexo e merece o nosso respeito. Depois de ler as páginas de Peter Wohlleben, você nunca olhará para uma árvore ou floresta da mesma forma. Um livro para educar todas as gerações.
P.S. Por sugestão (e justo protesto) de nossa editora assistente Juliana Diógenes, também deixamos a indicação da obra de Stefano Mancuso, Revolução das Plantas, ainda não lida por esta Juliana que vos escreve, mas que merecerá resenha própria aqui no Bemdito (quiçá da própria Ju Diógenes) muito breve.
Serviço
A poética dos jardins
Charles Moore, William Mitchell, William Turnbull
Editora Unicamp, 2011
321 pgs.
O livro dos jardins
Ana Martins Marques
Editora Quelônio, 2019
48 pgs.
A metamorfose das plantas e outros textos
Johann Wolfgang von Goethe
Editora Edipro, 2019
126 pgs.
A vida secreta das árvores
Peter Wohlleben
Editora Sextante, 2017
224 pgs.