Bemdito

O sucesso profissional fabricado para as redes sociais

Será que estar na rede é um pedágio obrigatório para exercer nossas profissões? Precisamos refletir sobre trabalho no ambiente das redes sociais
POR Paulo Carvalho
Foto: Mathieu Stern

Quando conversava com alguns jovens advogados sobre profissionais inspiradores, pedi que eles me indicassem quais eram os seus. No meio da lista, encontrei alguns nomes que nunca tinha ouvido falar e entrei no Instagram para conhecê-los. Eles possuíam um feed preparado para me convencer que eram profissionais de sucesso e os stories completamente orquestrados com a rotina de um profissional “top”. A foto costumeira com o cafezinho no escritório, a canetinha na testa, o carrão de vencedor na vida e os vídeos dizendo “vem coisa boa por aí” faziam parte do espetáculo. Os algoritmos me captaram a esse profissional e toda vez que eu entrava na rede, o sujeito me aparecia vendendo mentorias sobre como vencer na vida profissional. 

A rede social dissemina informações valiosas para o contato das pessoas com determinadas particularidades técnicas das profissões. Assim, a gente acaba aprendendo um pouco de gastronomia, finanças, nutrição, arquitetura, legislação para o nosso dia a dia. Ao mesmo tempo, quebrou a expectativa do perfil sisudo de postura de determinados profissionais, libertando-os para um modo de atuação profissional mais descontraída. Por outro lado, a rede social trouxe um diploma paralelo de validação de atuação profissional relacionada não necessariamente às habilidades técnicas do exercício profissional, mas às estratégias de comunicação, marketing e linguagem, em um espaço de fusão entre a informação e o entretenimento. 

O “profissional influencer” está em todo lugar: no Direito, na Medicina, na Arquitetura, na Educação Física, na Nutrição. E muitas vezes, por preguiça de pesquisar, ou seduzidos pelo bombardeio de suas presenças nas redes, os consumidores acabam por contratá-los. Em razão disso, o posicionamento online do profissional tem sido apresentado como o seu novo cartão de visita, uma condição de concorrência, sobretudo para os jovens que estão ingressando no mercado. Tem sido também uma via para a realização de publicidade indireta em setores que restringem seu uso, como o jurídico. 

Cursos online não faltam, tentando convencê-lo de que o seu sucesso pode estar nas redes sociais. Eles trazem um glossário de marketing digital recheado de nichos, conteúdo que vendem, persona, engajamento, conversão e um espírito coach que te diz que você é “fo-da”. Nesse cenário, a energia de trabalho de alguns profissionais liberais passou a ser dividida entre a sua atuação profissional propriamente dita, os seus estudos de área e a sua performance online, facilitada pelos aplicativos de foto, vídeo e edições acessíveis e intuitivas.

E entraram na agenda de trabalho as lives, o network de grupo de WhatsApp, os textos para o Linkedin, os reels para o Insta, os cards para a timeline, os 280 toques estratégicos para o Twitter e mais energia para pensar memes viralizáveis, avatar pro Face, vídeo pro Youtube. Ou fazer uma dancinha profissional-educativa no TikTok, que representa a caricatura mais visível desses tempos. 

Será que estar na rede é um pedágio obrigatório para exercer as nossas profissões? Prometo que essa não é uma pergunta retórica, carregada de moralismo e nostalgias geracionais. Mas uma pergunta que muitos profissionais liberais estão se fazendo, ao ver no seu Trello a energia despendida nesse trabalho em rede.

Alguns conseguem equilibrar esses pratos com maestria. Outros terceirizam para empresas que já estão se especializando nesse tipo de serviço. Outros fogem por completo desse fetiche sedutor das redes para o exercício profissional. Mas muitos, sobretudo os de início de carreira, estão preferindo performar uma profissão, ao invés de vivê-la e de se capacitar tecnicamente para isso. E há um mercado imediato muito suscetível a acolher esse perfil de profissional que fez da mídia social o seu principal diploma e do número de seus seguidores a sua carteirada.

Ranquear o sucesso profissional pelo critério de mídia social tem sido a nova fábula do mundo do trabalho em várias profissões.  A construção de sentidos do mundo parte também das nossas projeções de imagens ideais e desejáveis. Dessa forma, a ilusão provocada pelas redes sociais atinge também o imaginário sobre o sucesso profissional com novos códigos aos nossos desejos e fantasias. A mídia social é um espaço de reverberação desses desejos, refundando inclusive as fronteiras entre a fantasia e a realidade no que se refere ao sucesso em uma profissão. 

Nesse ziriguidum barulhento das redes, profissionais qualificados que não entregam sua energia e tempo a essa performance online são preteridos no processo de escolha de alguns potenciais clientes, inobstante sua credibilidade técnica, que exige muitas horas de estudo e trabalho, pouco glamourosas, mas fundamentais para a realização de um serviço sério e competente. Mas o trabalho deles é maior do que isso.  Eles são resistência nessa indústria de personagens e fazem do seu ofício bruto o seu próprio portfólio. Isso é tão raro quanto as pessoas simples que não fazem esforço para serem notadas. 

Paulo Carvalho

Doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, coordena o grupo de pesquisa Labuta e é professor de Direito e Processo do Trabalho.