A CPI e o peso das vidas perdidas
As notícias da última semana sobre a CPI da Pandemia conduziram-me aos debates e reflexões travados ainda no início da pandemia. Naquele momento, diante das projeções de milhares de mortes e da estratégia de enfrentamento do governo federal, crítico do isolamento social e incentivador do chamado “tratamento precoce” (que logo comprovou-se ineficaz), especulava-se bastante sobre os impactos da pandemia na sustentação política do presidente.
A comoção gerada com a morte de milhares de brasileiros(as) tornou-se rapidamente tema do debate público. Criticou-se inúmeras vezes a ausência de um pronunciamento de pesar por parte de Bolsonaro às famílias enlutadas, contrastando com seus comentários como “Não sou coveiro, tá?” e “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”.
A expectativa era de que a gestão da pandemia somada a tais declarações, que denotavam fatalismo e desprezo diante das mortes, produzissem fortes reveses na popularidade de Bolsonaro. Isso de fato ocorreu nos primeiros meses da pandemia, mas a tendência foi revertida no segundo semestre de 2020. A chegada da segunda onda, entre outros fatores, contribuiu para o retorno da queda na popularidade do presidente, levando-o aos níveis mais baixos desde o início do mandato.
Ao longo desse período, a popularidade do presidente também enfrentou ondas até estabilizar-se no patamar mínimo de aprovação. O debate público também suscitou discussões sobre o caráter “indiferente”, de “normalização” e/ou mesmo “banalização” da população brasileira diante da morte e sofrimento no contexto da pandemia. Artigos e matérias na mídia trataram do tema, alguns deles, inclusive, apresentando uma associação entre os discursos do presidente e essa percepção pretensamente disseminada na sociedade.
Pensando em termos da disputa política, podemos observar que as oposições decidiram trilhar outro caminho: desde o início a opção foi denunciar a má condução do governo federal na pandemia, buscando responsabilizá-lo pelo número expressivo de mortes. A aposta dos atores políticos de oposição foi de que o fator pandemia não seria (será) desprezado pela população quando o governo Bolsonaro estiver sob julgamento eleitoral. Os oposicionistas entendem que o eleitorado levará em conta não apenas os efeitos em seu sentido lato, mas, substancialmente, sua dimensão mais dolorosa: a da morte dos entes queridos.
Nesse sentido, na CPI da Pandemia, a morte constituiu pauta desde suas origens. Foi após o óbito do Senador Major Olímpio (PSL-SP), vítima de Covid-19, que se intensificou a pressão no Senado Federal para abertura da comissão. Constantemente, os discursos dos(as) senadores(as) de oposição evocam a memória dos(as) brasileiros(as) mortos(as), apontando como missão da CPI desvelar o que poderia ter sido feito para evitar tais mortes.
Simbolicamente, o ato mais significativo partiu do relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), que substituiu seu nome na placa de identificação da bancada pelo número de mortos, atualizando diariamente os dados. O ato foi seguido pelo senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), vice-presidente da comissão. Esta ação foi tão contundente que o governista Heinze (PP-RS) passou a usar uma placa com o “número de vidas salvas” na pandemia, como forma de contrapor o discurso dos oposicionistas.
Mais recentemente, na última semana, o depoimento da advogada Bruna Morato traçou uma linha de conexão entre a atuação da Prevent Senior e a estratégia de contraposição entre saúde e economia, discurso tantas vezes propalado pelo presidente, membros do governo e apoiadores.
Como disse anteriormente nesta coluna, as denúncias que chegam à comissão pavimentam uma avenida para a atuação política das oposições e, nesse sentido, relativizam as expectativas de que tudo acabe em pizza.
O mais chocante e doloroso da participação de Morato foi a revelação de que alguns pacientes com mais de dez dias de internação na UTI tiveram redução no fornecimento de oxigênio. Com menção à escabrosa frase “óbito também é alta”, a advogada recolocou as mortes no centro do debate, mobilizando uma nova onda de comoção pública em torno da (má) gestão da pandemia, justamente nas proximidades da reta final da CPI.