A Década dos Sentimentos Extremos
Em 1994, o historiador Eric Hobsbawm lança o livro “Era dos Extremos: o breve século XX, 1914–1991”. Diante de tiros, porradas, bombas, guerras, crueldades de acontecimentos que marcaram a história e os corpos dos nossos bisavós e avós (e também os nossos próprios), ele justifica sua hipótese. Projeto ambicioso bem executado.
Em tempos atuais de informações que circulam fáceis e de mentalidades audaciosas, permita-me propor também minha tese, longe dos corredores da Birkbeck University of London – a alma mater de Hobsbawm – encolhido no Ceará e escrevendo em português.
Em vez de um século, concentro-me numa dezena de anos, mais precisamente naquilo que defino como a Década dos Sentimentos Extremos. Faço de marco histórico os últimos 10 anos, pronto. Escolho a Internet e as redes sociais como locus para fundamentar minha “correntinha” de baixo impacto científico.
Esta Década seria menos fundada pela condição materialista-histórica marxista e mais pelas inflamações das emoções e da linguagem. Tais poucos anos desenvolvem-se a partir de um substrato simbólico e comunicativo, aquilo que nunca foi palpável, mas que gera consequências pela força dos desejos impregnados. Deixa eu descomplicar isso, que a gente não está em nenhum tipo de simpósio acadêmico e muito menos quero fingir que estou enrolando os leitores.
O que tento comprovar é que, com tantos canais de comunicação aparentemente livres, baratos e de fácil acesso, preenchemos estes espaços de fluxos de informações permanente com sentimentos, em geral, amplificados.
A considerar a amostragem do Instagram, Facebook e Twitter, verificamos de modo recorrente uma falta de moderação e do controle de ânimos. Sabe aquele meio termo próprio da vida social? Pois vem tornando-se raro nos ambientes digitais.
Não basta não gostar, é preciso ter ódio. E quando se gosta, não é suficiente, tem de se amar! E parece ser urgente expressar isso em caixa alta e emojis, as atualizadas letras garrafais. O atendimento ruim no restaurante passa a ser a pior experiência da vida. O erro de portugês acidental configura-se como uma burrice perpétua. A admiração a uma qualidade específica de alguém transforma-se em devoção cega. Neste sentido, não há mais margem para dúvida. Ou se é ou não é. Sempre muito.
Trabalhar o exagero na linguagem sempre foi próprio do ser humano brasileiro, mas nos últimos anos hipérboles, pleonasmos e redundância propositais já não são suficientes. É preciso mais que figuras e artimanhas da língua para expressar os sentimentos ampliados. Os extremos agora parecem habitar corações e teclas, deixando como rastros consequências silenciosas ou não em mentes, corpos e bolsos, além de prints, isso antes que se apaguem.