Bemdito

A felicidade, dentro do possível

A filosofia ensina que um mínimo de felicidade é sempre possível
POR Cláudio Sena

André Comte-Sponville, consagrado e badalado filósofo francês, lança em 2000 um livro-apelo com título traduzido sem adaptações: “A felicidade, desesperadamente”. Como signatário atuante da escola filosófica clássica que remete a Santo Agostinho, Epicuro, Montagne, ele aposta no caminho da filosofia e da verdade para a felicidade. Tudo junto, viu? Pois, para ele, só a verdade leva à felicidade. Repare bem, apenas a verdade, mesmo que seja aquela que bate e consola, conforta e machuca. “Mais vale uma verdadeira tristeza do que uma falsa alegria.”, diz ele. 

Vá devagar com andor escolástico, Sponville, que a vida já está difícil e o nosso corpo é de carne. Deixa a gente se enganar um pouquinho com pequenas mentirinhas inofensivas. Permita-nos brincar de ser feliz com filtros e cenários do Instagram, décimo terceiro, dinheiro esquecido no Banco Central, mini-viagem, voucher de hotel, buffet de casamento dos outros e eventuais gentilezas alheias. É essa nossa ilusão terapêutica compactuada e compartilhada com amigos e conhecidos. Não sei como a banda tocava na antiga Atenas, na Florença Renascentista ou na Paris haussmanniana, mas agora estamos bastante necessitados destes e de outros subterfúgios. 

No livro Sponville insiste, não abre exceção e dobra a aposta. “Por que a sabedoria é necessária? Porque não somos felizes.” Ser feliz, mesmo na mentirinha temporária, seria, nesta perspectiva, construir castelo de areia. Maré baixa ou respingos já fariam um estrago em nossa alma frágil. A felicidade construída pelo alicerce da verdade e do conhecimento resistiria às intempéries. 

Mesmo com caminhos tortuosos e difíceis, o filósofo pelo menos aponta a existência de uma felicidade possível, na contramão de demais colegas da filosofia “baixo astral”. 

“Parece-me que, apesar de toda a admiração que tenho por eles, Platão, Pascal, Schopenhauer ou Sartre forçam um pouco a mão, como dizemos familiarmente… Não somos infelizes a esse ponto. Que sejamos menos felizes do que os outros imaginam ou que finjamos sê-lo, é evidente; mas, apesar de tudo, não tão infelizes quanto deveríamos ser, se Platão, Pascal, Schopenhauer ou Sartre tivessem razão.”

Ou seja, podemos até não ser tão felizes assim como a gente força em pintar para nós mesmos e para os outros, mas, em certa medida, há felicidade nos movimentos da vida. Isso já é um consolo. O que as escolas filosóficas nos deixam como legado, portanto, além da tristeza inevitável, é uma boa dose de felicidade possível.Tristeza e felicidade, ambas agarradas por nós como punhados de areia que vazam pelos dedos. Para Sponville, nesse desafio, temos forte tendência a ser minimamente felizes.

Cláudio Sena

Doutor em sociologia, professor, pesquisador e publicitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto.