Bemdito

Brasileiros querem tributação mais progressiva. E agora?

Pesquisa mostra que população é favorável também ao aumento de impostos sobre os mais ricos
POR Thiago Álvares Feital
The Tax Collectors (Quentin Massys)

Qual é o perfil ideológico do contribuinte brasileiro? Graças à pesquisa “Nós e as Desigualdades 2021” (Oxfam Brasil/Datafolha), temos uma pista. A pesquisa nos ajuda a identificar o posicionamento da sociedade em relação a temas centrais no debate público sobre tributação. A partir dela, podemos esboçar algumas conclusões: 

1) O brasileiro é favorável à progressividade tributária

80% concordam, total ou parcialmente, que quem ganha mais deve pagar mais impostos do que quem ganha menos. Ao mesmo tempo, 82% concordam, total ou parcialmente, que o governo deveria diminuir a tributação incidente sobre os produtos e serviços consumidos pela maior parte da população, compensando a diferença por meio do aumento da carga tributária dos mais ricos.

2) O brasileiro é favorável ao aumento de impostos sobre os mais ricos

84% dos entrevistados concordam, ainda que parcialmente, que o governo federal deve aumentar os impostos de pessoas muito ricas para garantir melhor educação, mais saúde e mais moradia para os que precisam. O mesmo percentual de entrevistados concorda, ainda que parcialmente, com o aumento da carga tributária de quem ganha mais de R$ 40 mil por mês para reduzir tributos sobre os gêneros de primeira necessidade.

3) O brasileiro é favorável ao financiamento de direitos sociais por meio da tributação

94% dos brasileiros concordam, ainda que parcialmente, que os recursos arrecadados com os tributos sejam utilizados para beneficiar educação, saúde e moradia dos mais pobres.

Estas conclusões podem parecer pueris, mas são dados importantes. Com o encerramento das atividades da Comissão Mista da Reforma Tributária no Congresso Nacional e o anúncio de que a reforma será repartida entre a Câmara dos Deputados e o Senado, o futuro da reforma tributária é incerto.

Forma-se um cenário em que as ambições de reforma são substituídas por ajustes pontuais. Fica pelo caminho a promessa de consertar o caos da tributação do consumo, objetivo das PEC 110 e 95. Desaparece no horizonte a possibilidade de uma reforma ampla, capaz de corrigir o caráter regressivo da tributação, nos moldes da Reforma Tributária Solidária.

Os ajustes em tramitação no Congresso são tímidos: ampliação da isenção do Imposto sobre a Renda; criação da Contribuição sobre Bens e Serviços para substituir o PIS e a Cofins; e criação de um regime de negociação de débitos federais e de repatriação de divisas, batizado de passaporte tributário

Outras propostas mencionadas pelo governo em entrevistas não foram submetidas ao Congresso e, portanto, não possuem projetos correspondentes em tramitação até o momento: criação de um IPI seletivo para onerar bens cujo consumo produz externalidades negativas, como recursos minerais, bebidas açucaradas, derivados de petróleo, tabaco etc.; e criação de uma nova CPMF.

Nenhuma das ditas “fatias” do que sobrou da reforma se propõe a enfrentar a regressividade tributária. Nenhuma delas conseguirá resolver o problema central do sistema, que seguirá penalizando os mais pobres. 

Sem a reestruturação das alíquotas do Imposto sobre a Renda da pessoa física e sem a tributação de lucros e dividendos, o aumento da faixa de isenção é contraproducente. Mais do que isso, é uma medida regressiva, porque reduzirá as receitas disponíveis para a prestação de serviços públicos consumidos pelos mais pobres e beneficiará apenas “os 20% mais ricos, com renda mensal superior a R$ 1.951,00”, segundo o governo. 

A maior parte da população brasileira — como é comum em países em desenvolvimento — não recolhe Imposto sobre a Renda. Em 2019, a Receita Federal recebeu pouco mais de 30 milhões de declarações, o que equivale a algo em torno de 15% da população.

Da mesma maneira, a junção de PIS e Cofins, apesar de ter o potencial de simplificar uma legislação que é absolutamente caótica, intrincada, ilegível e pouco racional — um exemplo daquilo que, segundo a legística, não se deve fazer — em nada modificará a distribuição desigual do ônus tributário entre ricos e pobres no país.

Para reduzir a carga tributária daqueles que têm menos capacidade de pagar e aumentar a dos que têm mais — medida que parece contar com o apoio da população, como mostra a pesquisa Oxfam Brasil/Datafolha — é preciso deslocar o peso da tributação do trabalho para o capital e do consumo para a renda. Para isso, é urgente acrescentar “fatias” substanciais à reforma: aumentar a tributação das heranças, passar a tributar grandes patrimônios e efetivar a progressividade da tributação da renda. 

Thiago Álvares Feital

É advogado, professor, doutorando e mestre em direito pela UFMG. Pesquisa tributação, desigualdade, gênero e direitos humanos.