Bemdito

O Gato de Cheshire e a reforma do imposto de renda

Questões que precisam ser respondidas para definir o que pode entrar e o que deve sair no projeto de Reforma do Imposto de Renda
POR Thiago Álvares Feital

As idas e vindas do projeto de reforma do Imposto de Renda (PL n.º 2.337/2021) contrariam o que se espera de um processo racional de elaboração de leis. Pior do que isso, as frequentes indicações do ministro da Economia de que ele está disposto a transigir, mesmo em relação a questões que parecem relacionar-se ao seu núcleo, colocam em evidência a falta de estrutura da proposta. Além da absoluta incapacidade do Executivo de negociar suas pautas, isto revela também que o projeto não tem norte (o que dificulta tanto a técnica quanto a barganha legislativa).

De forma inteiramente oposta ao que vemos acontecer com o PL n.º 2.337/2021, a legística moderna recomenda que a criação de leis seja tratada como um processo planificado, antecedido, no mínimo, pela determinação dos fatos que fundamentam a legislação, pela apreciação dos dados existentes e pela consideração das alternativas ao modelo proposto. Essas são exigências muito simples, mas de enorme importância, seja para avaliar os méritos da proposta, seja para garantir que o seu proponente saiba o que está fazendo.

No caso da atual proposta de reforma do Imposto de Renda, para começarmos a discutir é preciso esclarecer qual seria o objetivo do projeto. Trata-se de equiparar a tributação do capital e do trabalho? De atualizar a tabela do imposto de renda das pessoas físicas? Ou o que se deseja é incentivar a pejotização (em linha com a orientação adotada na reforma trabalhista)? O objetivo do projeto é incrementar a concentração de renda (reforçando outra realização do atual governo, o aumento da desigualdade)? Sem responder a essas questões, é difícil saber o que pode entrar e o que deve sair do projeto.

E como no governo Bolsonaro tudo o que não é violento é insólito, é uma cena de Alice no País das Maravilhas — a obra-prima do nonsense — que nos ajuda a compreender o que está acontecendo. Quando Alice, perdida e confusa, encontra o sorridente Gato de Cheshire, ela pergunta: 

— Você poderia me dizer, por favor, para onde eu devo ir a partir daqui?
— Isto depende muito de onde você quer chegar, disse o Gato.
— Eu não me importo muito onde, disse Alice.
— Então, não importa para que lado você vai, disse o Gato.

Em apenas 3 meses, já foram apresentadas 164 emendas ao projeto de reforma tributária, um número assombroso para um período tão curto. A quantidade de emendas indica que deputados e agentes da sociedade civil já se deram conta de que o ministro — como a jovem Alice — não sabe onde quer chegar. Nesse caso, qualquer caminho serve e acabaremos chegando a lugar algum.

Thiago Álvares Feital

É advogado, professor, doutorando e mestre em direito pela UFMG. Pesquisa tributação, desigualdade, gênero e direitos humanos.