Bemdito

Chá das Quintas apresenta: Carri Costa

Ator, produtor e coordenador geral do Teatro da Praia, Carri Costa vai fazer 38 anos de teatro e nunca passou tanto tempo longe dos palcos quanto nesta pandemia
POR Tatiana Hilux
Foto: Fabiane de Paula

Ator, produtor e coordenador geral do Teatro da Praia, Carri Costa vai fazer 38 anos de teatro e nunca passou tanto tempo longe dos palcos quanto nesta pandemia

Tatiana Hilux
dario.conde2000@gmail.com

// Tatiana Hilux // Você teve apoio da família para seguir a vida artística ou seus pais diziam que “não tinha futuro”? Fale um pouco mais como surgiu seu amor pelo teatro.

// Carri Costa // Bem, comecei a fazer teatro muito cedo, aos 15 anos de idade. Sempre tive uma, digamos, tendência muito forte para a comunicação, uma tendência de falar, de estar fazendo, de me meter em tudo, de querer realizar e fazer as coisas. Começa na escola… A princípio, na verdade, essa iniciativa nasce no seio familiar, né, e só então parte para a escola. Depois da escola, é só um passo as pessoas perceberem que, de certa forma, você pode estar em determinadas ações que podem fazer com que você desenvolva determinada iniciativa cultural ou artística, enfim. A família não disse nem não, nem sim. Mas também acredito que disse um sim, inconsciente até, uma vez que não houve qualquer proibição do rumo que eu poderia tomar nessa vertente artística. Foi durante muito tempo, aprendendo, aprendendo, fazendo e aprendendo com o que fazia, que uma vez eu comecei a atuar no bairro, na periferia de cidade de Fortaleza, onde não havia uma formação. Eu tive que cavar essa sabedoria, esse entendimento do fazer teatral. Com o passar do tempo e os resultados, digamos assim, midiáticos até, a família virou fã. Hoje meus familiares são os meus grandes apoiadores, e isso é muito bacana. Esse amor foi uma coisa tão gradativa, uma coisa tão paulatina. Eu faço teatro e o teatro me faz. É uma troca que sempre foi real. Aprendi a viver a vida melhor fazendo teatro, tendo esse entendimento da cultura, porque ele é o espaço da liberdade, do pensamento, do progressismo, daquilo que você acredita, então, da socialização do teu ser. O teatro é o espaço que rompe com os egoísmos e egos. O teatro tem muito isso: capta-nos e coloca-nos no centro de um furacão de convivência, onde a diversidade e a pluralidade de pessoas nos amadurecem e constroem. Acho que isso me provocou esse amor. E me provoca diariamente.

// Tati // O humor é a cara do Ceará e você é muito bom nisso. Existe preconceito com o ator de comédia e o humorista? E lá vai uma pequena clichê… O que é mais difícil: fazer humor ou fazer drama?

// Carri // Olha, acredito que é um preconceito. É um conceito antecipado daquilo que vem a ser. Às vezes, quando você envereda pelo humor, envereda pela comédia, você é subestimado, as pessoas acham sempre que o humor é uma coisa desprovida. Estou falando do universo acadêmico, onde as pessoas têm um entendimento literário, intelectual, do que vem a ser isso. Quando detêm esse determinado poder, digamos, de saber do saber, as pessoas correm o risco muitas vezes de se achar superior em alguma coisa, nos entendimentos, e acabam agindo de maneira preconceituosa com quem trabalha o humor, o riso, por achar aquilo de uma fragilidade muito grande. Mas é pura ausência de conhecimento do que aquilo pode provocar. A comédia, na história da humanidade, sempre serviu para apontar e satirizar situações contundentes nos níveis da política, de economia, do social…. Enfim, não só entretenimento, não só anestésico. Não que não tenha sido isso também, não que não sirva para isso também, assim como, muitas vezes, a tragédia serve para anestesiar também, para despolitizar a consciência e desumanizar também. É uma linha tênue até. Precisamos ter muito cuidado em relação a isso, para não desacreditar por completo que alguém que trabalha o riso e a comédia não tem a sua pesquisa, o seu estudo, a sua arte voltada para uma introdução daquilo que é mais ético, mais honesto, mais denunciador, mais crítico, mais satírico. Mas em relação ao humor e à comédia, tem um relativo preconceito, e acho que não podemos “passar pano” para isso, para quem age dessa forma. Também não podemos “passar pano” para quem só quer, de certa forma, fortalecer um determinado preconceito fazendo humor. Também tem esse outro lado, senão a gente corre um risco tremendo de desumanização.

// Tati // Você já se destaca há mais de 20 anos na cena teatral. Me fala uma saia justa que você já passou em cena.

// Carri // Já passei por tanta saia justa. É tanta situação inusitada que acontece em cena, desde machucado, queda, sabe? (risos) Já caí para trás no final do espetáculo, fazendo um malassombro. Foi assim: teve uma hora que eu puxava a calça para tirá-la e puxei com muita força. Acabei caindo do sofá para trás. Não me machuquei, tinha um tapete atrás, mas é uma situação. Outra foi o cenário caindo e eu tendo que segurar. Faço teatro há 37 anos, vou fazer 38 agora, então é muito tempo fazendo teatro. Nesta pandemia, foi o tempo que passei mais longe do palco. Se passo dois ou três meses longe do palco durante o ano é muito. Estou sempre atuando. Então, nessa história, centenas de coisas já aconteceram, seja atuando no palco, seja fazendo apresentações fora. Na vida de um ator, é comum. Para a vida de quem vive disso, vive nisso, é comum. 

// Tati // Você já ganhou vários prêmios. O que você almeja conquistar ainda no seu ofício?

// Carri // Olha, vou te ser sincero. Nunca pensei em prêmio, não. Pode parecer chavão, mas é verdade. Eu sempre queria fazer teatro, tanto que participei pouquíssimo de festivais, até porque comédia raramente é selecionada para festivais de teatro. Já recebi algumas coisas interessantes até, como a Comenda Boticário Ferreira, que é uma coisa linda, muito me honrou. A Cidadania Fortalezense também me honrou, porque sou natural de Pacajus. Então, são coisas que me honram, que, de repente, me surpreendem. Cada prêmio é uma surpresa muito grande porque reforça, mas não me aponta superioridade em nada, não me diz que sou melhor em nada, muito pelo contrário. Me dá orgulho e me tranquiliza. Acho que o ator busca muito ser quisto, ser aceito, ser abraçado. O aplauso é um abraço, uma aceitação. Acho que busquei muito mais que o aplauso e, quando ele não vinha, eu ficava muito triste. Quando o riso não vinha, que é o meu carro chefe, também ficava triste. Mas o que quero conquistar não é nem para mim. Quero que o Teatro da Praia se torne um teatro permanente, que fuja da minha gestão, e que exista por existir mesmo. Que seja comprado o imóvel pelo Estado ou pelo município e que ele permaneça Teatro da Praia. Infinito.

// Tati // Adoro o Teatro da Praia e vejo como um local de referência e da resistência cultural local. Como tem sido enfrentar essa fase e continuar como o espaço?

// Carri // Acho que daqui a uns 30 anos, quando as pessoas voltarem, se voltarem ao passado, e forem fazer uma pesquisa, vão perceber o quanto importante o Teatro da Praia foi para a cultura teatral da cidade. É de uma importância bem singular o momento histórico ele aconteceu, o que tempo em que existiu. Tomara que o Teatro ainda exista daqui a trinta anos. Ele é muito importante enquanto local de resistência, de convergência de ideias, de pensamento. Algumas pessoas acham até que o Teatro da Praia é só um espaço para o riso, mas nesses 28 anos de Teatro da Praia o que menos aconteceu nele foram comédias. Porque a gente sempre viveu os festivais de esquetes aqui, durante 20 anos, com os experimentos mais inusitados e mais criativos que Fortaleza produziu nesse período. Então, o Teatro foi um espaço de pesquisa, de experimentos, de pleno exercício de fruição, daquilo que se pensava no fazer teatral. E era menos comédia com certeza, eu garanto. Mas é difícil manter esse espaço. Um tempo atrás, quando a gente sofreu ameaça de venda do galpão, porque ele é alugado esse tempo todo, alguém me falou “Ah, você vive reclamando. O Teatro vive assim porque é mal gerido. Tem que pensar numa forma melhor de gestão” E até respondi “Uai, se fosse tão mal gerido ele não tinha sobrevivido e vivido prontamente durante tanto tempo. Vinte e oito anos é muito tempo para se ter um teatro, entre aspas, particular, privado, mas sempre com aspecto e alma de público, para onde a cidade de Fortaleza sempre se voltou. Manter esse teatro é difícil, sempre foi. Eu quero muito que ele exista e vou continuar nessa luta. Sei que vou continuar nessa luta, porque as políticas públicas são absolutamente frágeis e voltadas para os trabalhos muito mais das suas gestões do que das iniciativas dos artistas.

// Tati // Gratidão imensa pela disponibilidade e gentileza para o Bemdito. Qual mensagem você passa para quem está começando nas artes cênicas?

// Carri // Eu que agradeço! É mais um espaço que a gente tem para poder falar um pouco da vida, do teatro, dos teatros da cidade de Fortaleza. Precisamos muito disso, de provocar visibilidades, principalmente para não tornar os nossos artistas invisíveis diante de tanta coisa complicada que está acontecendo. Sabemos que essa nossa arte, essa nossa profissão, é um aprendizado constante. É um entendimento muito atualizável do que você vive, então fazer teatro para mim é isso. É estar em pleno exercício do entendimento da personagem, do texto, da concepção, da ideia que você quer passar para a plateia. Exercício de entendimento também da plateia, do momento político, do momento cultural que você vive. Acho que, para a meninada que está começando, é preciso dizer: “Vamos mergulhar nisso de cabeça sem nenhum medo, com a coragem que o artista tem que ter”. O artista é um cabra corajoso e tem que permanecer assim. Digo também que não sejam preconceituosos com nenhum tipo de arte. Quando estamos começando, estamos aprendendo. Todo mundo começa do mesmo jeito, sem saber. Então, às vezes, temos um ranço com as pessoas que têm menos conhecimento do fazer teatral, mas vão aprendendo com o exercício. Às vezes, você ingressa no universo acadêmico e despreza aquilo que foi base para você e é base para todo mundo no fazer teatral, que é o viver humano. Isso é muito importante. Sejamos muito conscientes daquilo que queremos, daquilo que vivemos. A utopia da fama e do sucesso é uma coisa boba. Então, vamos viver intensamente isso. O que vier de resultado vai ser para o crescimento do artista, da sua ideia, da sua mensagem e do seu amor do fazer artístico.

Tatiana Hilux é artista transformista. Está no Instagram.

Tatiana Hilux

Artista transformista desde 2000, é Miss Gay Ceará Oficial 2002 e Miss Gay Ceará Plus Size 2017. Parte do grupo artístico Turma OK, tradicional casa de shows carioca, também integra o Coletivo Artístico Divas.