Bemdito

Cooperar é nossa condição

O que estamos dispostos a fazer pelos outros e por nós mesmos
POR Cláudio Sena
Robert Doisneau

Em situações simples ou de extrema dificuldade, sejam estas de ordem prática, físicas ou psicológicas, há um aspecto social que costuma emergir decisivo. Na ajuda financeira para as contas que se acumulam sem perspectiva de pagamento, no copo d’água para a vítima após o acidente, na ligação ao companheiro que padece doente, a solidariedade e a cooperação abrem espaço no tecido das sociabilidades. Um senso de contribuição opera inexplicável, inclusive entre os diferentes entre si. Não é uma unanimidade, claro, mas é inexorável, forte, fundamental, porque muda as coisas, mesmo em ações mínimas. 

E que fique claro que não exploro aquele messianismo apaziguador de mentes mesquinhas atormentadas que, a qualquer momento, volta a jogo como cobrança ou como amparo para decisões que f*dem os outros. 

Para o sociólogo Richard Sennett, tal desejo ou mesmo necessidade de colaborar mora no genes do ser humano, sobretudo naquele indivíduo que vive no seio das grandes metrópoles. “A cooperação azeita a máquina de concretização das coisas, e a partilha é capaz de compensar aquilo que acaso nos falte individualmente.” Neste mundo completamente condicionado às relações sociais, quem é capaz de materializar grandes projetos estando isolado, sem aceitar ou solicitar ajuda?

A carreira profissional bem-sucedida certamente teve pontos de apoio que se construíram por piedade, afinidade ou interesse. Em algum momento, a indicação de um colega ou mesmo uma relação familiar definiu os rumos de grandes e pequenas organizações. É lúcida a análise de Sennett justamente porque ele complexifica a solidariedade e a cooperação e desmistifica, com isso, a condição do “bonzinho”. “O apoio recíproco está nos genes de todos os animais sociais; eles cooperam para conseguir o que não podem alcançar sozinhos.”, diz ele.  

E, como dizem na linguagem internetês do momento: e tá tudo bem. Afinal, é aceitável o interesse em ajudar, mesmo motivado pelo que se receberá após a entrega de tempo, atenção ou dinheiro. Quem troca o pneu do outro prepara o ouvido pelo menos para um “obrigado”. 

Desde o Antigo Egito ao futuro distópico, foi e arrisco dizer que vai ser sempre assim. Ok, mas isso não quer dizer que este processo seja tranquilo. E as diferenças, os ranços, as raivinhas? Segura o Sennett novamente:  

“A cooperação está embutida em nossos genes, mas não pode ficar presa em compartimentos rotineiros; precisa desenvolver-se e ser aprofundada. O que se aplica particularmente quando lidamos com pessoas diferentes de nós. Com elas, a cooperação torna-se um grande esforço.”

Ficou mais difícil. Agora o esforço é dobrado. Acredito que é neste ponto da sociedade que nos encontramos. Para o autor, “estamos perdendo as habilidades de cooperação necessárias para o funcionamento de uma sociedade complexa.” Integrar o mesmo espaço tempo não é mais tão necessário em um mundo extremamente virtualizado, mas há que se manter um mínimo índice de tolerância, boa convivência e, sobretudo, respeito. Tendo em vista a quantidade e os tipos de gente que povoam nosso Planeta, para mim, às vezes, isso é uma luta. Boa sorte para vocês. 

Cláudio Sena

Doutor em sociologia, professor, pesquisador e publicitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto.