Bemdito

Corrupção é antidemocrática

Quando os desejos pessoais estão acima de questões públicas, como saúde, educação e segurança
POR Simone Mayara
Corrupt Legislation (Vedder Highsmith)

Quando os desejos pessoais estão acima de questões públicas, como saúde, educação e segurança

Simone Mayara
simonempf@gmail.com

Seja no diminutivo das rachadinhas ou no aumentativo dos mensalões, ao estudar o histórico da política brasileira é consenso em qualquer lado do espectro que a corrupção consta desde os primórdios. Alguns historiadores veem na raiz latina, ainda mais especificamente no traço ibérico, essa tendência a burocratizar, endeusar títulos e corromper o poder em benefício próprio.

Outro termo que anda junto a esses é o patrimonialismo, forma de lidar com a administração pública de maneira personalista, que confunde os bens públicos e privados – basicamente, esquecer que servidor público serve ao público, e não o contrário, e que os objetos e valores pertencem a esse mesmo público.

Nessa sopa de termos para tentar explicar a presença da corrupção no DNA do Brasil, quem se afasta é a democracia. Em análise bem ao pé da letra, a democracia é o governo do povo, de todos. Completamente oposta ao patrimonialismo, né? A confusão entre a coisa privada e a coisa pública não transforma tudo em res pública, pelo contrário, transforma a coisa pública em privada – e de poucos. Logo, são antagônicas.

Bem, e por que essa divagação sobre termos? Quanto mais 2022 se aproxima, mais acontecem coisas estranhas. Na verdade, a eleição de 2022, principalmente para o Executivo federal, começou no exato instante em que a de 2018 acabou. Mas a proximidade das eleições tem causado efeitos interessantes, que têm tudo a ver com a explicação anterior sobre corrupção e democracia.

Para começar, a polarização e o populismo característico das duas opções que temos no momento produzem um clichê muito brasileiro: rouba, mas faz. A crença no caráter messiânico dos políticos – e aqui, o foco no cargo de presidente da República – e a certeza de que são os responsáveis por nossa realização são tamanhos, que se considera que, fazendo o que deve ser feito e o que me interessa, pode roubar um pouco, sim. É do jogo. Sempre que ouço isso me pergunto: as pessoas sabem de quem está sendo roubado?

A confusão dos termos e a discrepância das vontades aparecem mais ainda quando brada-se em nome do bem público. Saúde, educação e segurança, a gente precisa disso, mas eu aceito mudar o meu voto ou defender fulano que vai garantir um cargo para mim ou para algum conhecido. Se a democracia é o bem de todos, a voz do povo, o que tem de democrático nisso?

Bem, sigamos. E agora vem a minha última dúvida: como podemos falar em democracia – de novo, um interesse da maioria -, quando os representantes dessa maioria utilizam órgãos públicos como cabides de empregos para garantir votos e usam do seu status para fazer negociações escusas?

A utilização de verba pública para interesses próprios e a apropriação de bens pela crença que o cargo permite colaboram com o empobrecimento da população. Cada contrato viciado diminui a qualidade da alimentação nas escolas públicas, e impede a atenção correta pela saúde e o desenvolvimento logístico do país pelas estradas. E nem vamos ao lado macabro que esses mesmos exemplos podem levar: morte de cidadãos. Os superfaturamentos e as medidas irresponsáveis na crise da Covid escancararam isso.

Enfraquecer os indivíduos em sua capacidade de desenvolver suas habilidades e interesses e obter boa educação- e o básico para uma vida – são alguns dos efeitos da corrupção. Destruir as capacidades básicas de uma vida decente e a possibilidade de fazer as próprias escolhas não converge com o bem de todos ou com as escolhas da maioria. Defender o fortalecimento da democracia e quem a faz ruir por meio da corrupção é uma contradição em termos. E se você precisa apontar os erros do outro lado pra contradizer isso, talvez seja hora de repensar se realmente é assim tão fã da democracia.

Simone Mayara é Analista Política no Instituto Livre Mercado. Está no Instagram.

Simone Mayara

Analista política, é especialista em Direito Internacional e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política. Atualmente é sócia na consultoria de diplomacia corporativa Think Brasil.