Entre afeto, liberdade e poder: de Byung-Chul Han a Bolsonaro
Há dias em que a política me deixa sem palavras. E não por falta de interesse ou por não ter acompanhado os últimos acontecimentos políticos, mas porque alguns destes precisam ser observados com maior atenção, quase que digeridos por reflexões necessárias.
Na leitura de Byung-Chul Han sobre a psicopolítica, fiquei particularmente pensativa sobre o movimentar das emoções. Para o filósofo, a “conjuntura da emoção é uma consequência do processo econômico”. Há diferenças entre emoções, afetos e sentimentos. A emoção e o afeto são subjetivos. O sentimento, por sua vez, tem mais objetividade e permite uma narrativa.
Ainda para Han, a sensação de liberdade está associada a deixar as emoções se manifestarem de forma livre. O sentimento, por sua vez, possui uma profundidade que permite a construção de narrativas e uma permanência. Quando não há uma narrativa, a cena é propícia para manifestações de afetos mobilizados por emoções.
A comunicação, vivenciada de forma acelerada, estimula as emoções imediatas em que as ações não passam pela construção de uma racionalidade. Permeiam uma dimensão de afetos em enxurrada, impulsionada por uma pré-reflexão sem que exista o desenvolvimento desta.
É nessa linha de pensamento que venho observando a última semana. Volto-me para as instituições políticas e o curso da ação de seus agentes. Jair Bolsonaro utiliza a comunicação via provocação de emoções pré-reflexivas, para reações imediatas, com vista a produzir a euforia do combate às instituições constitucionalmente instituídas.
Bolsonaro evita diálogos diretos com os agentes institucionais, a fim de dar continuidade a sua estratégia de incitar afetos contínuos e renovados para produzir reações imediatas. Ele fala sobre fraude eleitoral sem provas, convoca de maneira ambígua para o evento do 7 de setembro deixando no ar ameaças institucionais, para citar por alto alguns exemplos.
Muitas vezes são tomadas como “cortinas de fumaça” para que se volte a atenção para os arroubos afetivos de desconfiança em relação às instituições, por um lado, como vem acontecendo com o STF, e estimula, por outro, o medo de um golpe político. Com tantas emoções iminentes, não há tempo para refletir sobre o processo econômico que vem impactando o cotidiano material dos brasileiros.
À oposição, resta reagir aos impropérios de Bolsonaro. E reações são, muitas vezes, também movidas por emoções. Preciso ponderar, entretanto, que há a tentativa por este grupo de tecer racionalidade e estratégias de articulações políticas que possam causar algum impedimento, ou diminuir as consequências de uma política econômica que amplia e reforça as desigualdades.
“A liberdade”, diz Han na abertura de seu livro, “terá sido episódica. Um episódio no sentido de entreato, de conexão entre partes. Esse sentimento de liberdade se instaura na passagem de uma forma de vida à outra, até que esta também se mostre como um modo de coerção”. O poder é uma forma de coerção.
No sentido do paradoxo entre liberdade e poder, as instituições continuam funcionando cada vez mais distantes de estimular uma possível participação popular. As decisões são tomadas com rapidez, para que não exista nem a possibilidade de uma formação de opinião pública. E esse abismo tem construído inércias seguidas de submissões ao poder.
Nesta conjuntura comunicacional de contínuos rompantes afetivos, como agentes políticos institucionais e pessoas externas à arena institucional podem construir uma alternativa que nos tire da profunda crise política e econômica em que estamos envolvidos?