Bemdito

Eu bebo, sim, estou vivendo

Uma crítica aos paradigmas que nos obrigaram a acreditar, como o clássico: "nada mais deselegante do que uma mulher bêbada"
POR Mariana Marques
Three Women Drinking (Fernando Botero)

Lembro-me de alguma voz adulta me dizendo quando criança: não tem nada mais deselegante do que uma mulher bêbada. Cresci, pois, com essa frase – e não sei por que justo essa.

O problema é que sempre dei valor a um goró, desde que não era permitido. Mas não me permitia, por Deus e Nossa Senhora, ficar de porre ou passar do limite, porque, é claro, não tinha nada mais deselegante que uma mulher bêbada. Ou, como em bom português: beba mermo, porque beba é, ao meu ver, muito menos pior do que bêbada. Só pra fechar esse assunto: beba é uma pessoa alta, truviscada, triscada pelo fogo do alco. Bêbada é fora de si, trôpega, proparoxítona, e quando chegar em casa vai vomitar.

Cresci, né? E, com meu crescimento, cresceram também todas as minhas questões quanto ao que era permitido aos homens e às mulheres de maneira desigual. Ou seja: tudo. Um desses questionamentos foi parar na bebida e, finalmente, livrei-me aos poucos dessa sombra de ter medo de ser deselegante.

Hoje, na verdade, não existe nada mais elegante do que sentir aquele torpor na língua que me faz esquecer do presidente, ou aquela excitação borbulhante que só uma garrafa de vinho depois de um dia cansado traz. Isso não nos faz piores do que ninguém – é considerado saudável o consumo de até 8 doses de álcool por semana.

Não me orgulho de dizer que, se não tiver o vinho da sexta-feira, fico pra lá e pra cá sentindo falta de algo essencial, porque bom mesmo é não precisar de nada pra ficar nos eixos. Mas quem conhece essa pessoa? Só se forem os amigos de vocês. Os meus são normais igual a mim.

E viva a quebra sequencial, às vezes no chute, dos paradigmas que nos obrigaram a acreditar. Nem que para isso sejam necessários anos de análise. Gente bêbada, na proparoxítona, pode ser chatíssima (e perigosa), e isso independe de ser binário ou não, de ser mulher ou não.

O primeiro passo é nunca aceitar e nem reproduzir que mulher não deve isso ou não pode aquilo. E o segundo passo é saber que ficar bêba pode. Sobretudo nesses tempos.