Bemdito

Homens, façam terapia

Por que é tão difícil para nós, homens hétero e cisgênero, admitirmos nossa própria fragilidade?
POR Leonardo Araújo
Foto: Male Nude Reclining On A Divan (Anne Louis Girodet-Trioson)

Um fato que me chama atenção nesses anos atuando como psicanalista é a pequeníssima quantidade de homens cisgênero e heterossexuais que procuram tratamento. Pelo que converso com meus/minhas colegas de ofício, essa parece ser uma realidade compartilhada pela maioria de nós, uma vez que nossos consultórios costumam ser muito mais frequentados por mulheres e por pessoas LGBTQIA+.

Quando acontece de esses homens aparecerem, é muito raro que passem das entrevistas preliminares e, mais raro ainda, que cheguem até o divã. Em geral, comparecem a algumas sessões e depois somem. Muito provavelmente isso tenha a ver com o motivo que os leva até lá. No mais das vezes, trata-se de um casamento em crise, de uma relação que não deu certo ou, o que também é comum, de uma demanda da companheira, condicionando a continuidade da união ao comparecimento às sessões. Uma vez “resolvida” qualquer dessas questões, a vontade de falar cessa.

Isso parece dizer de uma real dificuldade em elaborar sobre o próprio desejo e de realizar qualquer movimento de investigação subjetiva. Mesmo em homens maduros, a impressão que fica é que lhes falta repertório para falar de si (quantos de nós vivenciou, por exemplo, a experiência de escrever um diário, algo tão comum às mulheres?). A angústia que essa aprendizagem causa, ainda mais quando ela se dá pela condução de outro homem, coloca-se como uma barreira intransponível para a continuidade da relação analítica, embora a falta de disposição para avançar venha disfarçada com bravatas do tipo “Terapia não serve pra nada!”, “Isso é frescura!”, “Muito melhor desabafar no bar com os amigos!”.

A tão propalada coragem, atributo central à construção de uma certa ideia de masculinidade, poucas vezes chega a ser suficiente para que o homem hétero cis se permita ser outra coisa que não aquilo que pôde ser até ali. Esse ponto, especificamente, dá a ver algo de nuclear em nossa experiência subjetiva.

Essa masculinidade, com seus arroubos de grandiosidade, poder, dominação, violência, abuso, opressão e narcisismo (como ignorar a ridícula imagem do bilionário Jeff Bezos viajando ao espaço a bordo de uma aeronave que em tudo se assemelha a um falo?), aparece, na verdade, como um dispositivo farsesco, que opera velando a fragilidade da fundação que sustenta todo o edifício.

Uma frase da escritora francesa Virginie Despentes, a qual chegou a trabalhar como prostituta em Lyon, revela em cores fortes aquilo que tentamos a todo custo esconder: “Se minha memória é boa, e creio que é, o que era mais difícil de suportar não era sua agressividade ou seu desprezo, nem nada do que queriam, mas, sim, sua solidão, sua tristeza, suas peles brancas, sua timidez desamparada, os falos que deixavam descobertos, sem maquiagem, sua fragilidade exposta” (2006, p. 59).

Nesse sentido, as encenações que buscam evitar deixar a própria falta a descoberto são não somente a chave para a entrada nos rituais compartilhados da sociabilidade masculina – o “racha” nos finais de semana com os amigos, os encontros homoeróticos “no sigilo”, a fraternidade construída ao redor da oposição ao feminino –, como também aquilo que nos impede de vivenciar abertamente o amor, afeto que, em última instância, não deixa de comparecer na relação transferencial.

Fora da fantasia construída ao redor de uma cena em que o homem aparece no controle, ocupando sempre uma posição ativa, a masculinidade hegemônica soçobra, desmorona fragorosamente. Nada nos assusta mais do que uma mulher cuja “falta” não precisa ser completada pelo que temos a oferecer. E muitas vezes a relação com elas só é possível quando fingem acreditar no truque performado por nós, pois sem isso a cena do desejo se desmonta e o homem não comparece, tomado pela angústia e por tentativas desesperadas de manterem em pé aquilo que sempre ameaça cair (não à toa, vivemos em uma época em que o consumo de cialis e viagra por homens jovens só aumenta).

O tratamento psicanalítico não é panaceia para o machismo ou para o patriarcado, pois suas estruturas estão profundamente incorporadas em nossa sociedade. Por outro lado, esse espaço de fala pode ser uma boa oportunidade para a produção de uma implicação ética diante das próprias atitudes, as quais violentam não só as mulheres, mas a nós mesmos. Assusta perceber que muitos homens se sintam mais à vontade com a ideia de tirar a própria vida do que se abrir com outra pessoa a respeito de suas fragilidades e medos mais secretos.

Procurar ajuda para se entender melhor e para refletir sobre si, junto ao compromisso político de combate ao machismo que atravessa a nós homens tão radicalmente, é a única via possível para ampliarmos nossas próprias vidas, experimentando o desejo, o amor e o prazer para além dos marcos do território tão mesquinho e melancólico constituído por essa masculinidade temerosa em falhar.

Leonardo Araújo

Psicanalista, é mestre em comunicação e doutor em sociologia, com pesquisa em corpo, arte e política.