Bemdito

Mulheres que dão no primeiro encontro, inteligentes e livres

Atenção: os homens não têm a menor ideia do que fazer com elas
POR Paula Brandão
(Foto: Emiliano Vittoriosi)

Dos combos de afetos e ideias que vocês me enviam, semanalmente, recebi uma historinha que andou circulando pelas redes, que era mais ou menos assim: um Uber mostrou ao seu passageiro o perfil de uma mulher que não era pra namorar, pois ele tinha saído e transado com ela no primeiro dia. O carona pescou o perfil e começou a seguir a tal moça no Instagram. Até que um dia ela correspondeu aos seus likes e os dois saíram. Ele a achou uma mulher muito interessante, inteligente, simpática e, no final da noite, transaram. Ele nunca mais quis se afastar dela. Casaram e, na volta de uma lua de mel, pegaram o dito cujo Uber para retornar do aeroporto pra casa, no que o antigo passageiro disse: “você tinha razão, ela não era pra namorar, era pra casar!”

Verdadeira ou não, essa história poucas vezes tem esse fim. Os homens continuam se achando superiores, acima de tudo, nos desejos sexuais: vocês podem crer que no século XXI ainda tem um indivíduo que acredite sentir mais desejo – é de sua natureza – que todas as mulheres? Pois existe, sim. E são muitos.

Os homens são socializados desde muito cedo para serem fortes e viris, e os espelhos que lhes dão os mostram bem maiores do que realmente são! Se tornam adultos mantendo a expectativa de que sempre serão os sedutores, provedores e nos ensinarão de tudo – implica ratificar que isso também quer dizer que nunca serão os seduzidos, sustentados e menos inteligentes que suas companhias femininas. A própria estrutura da sociedade brasileira reproduz o binômio passivo/ativo, no qual o homem é “protetor, chefe e dono da coisa toda.” 

A educação masculina é responsável por isso. E não seja daquelas que dizem por aí que a culpa dos homens serem machistas é de suas mães – em definitivo, as mulheres não são culpadas por serem vítimas de situações opressoras. Michel Bozon, em Sociologia da Sexualidade, avalia que tanto o persistente primado do desejo dos homens quanto a tendência a ignorar o desejo das mulheres não decorrem de uma lógica intrinsecamente sexual, mas correspondem a um dos aspectos de uma socialização de gênero diferencial, que não se manifesta apenas através da sexualidade. 

Ao iniciar o texto, eu uso o verbo dar, assim como as mulheres “perdem” a virgindade, sempre uma referência aviltante. Michel Bozon fala também da metáfora alimentar muito usada no Brasil, e diz que o verbo ‘comer’- “fulano comeu sicrana” – é utilizado para indicar a ação e o papel social daquele que penetra no ato sexual, enquanto, para quem é penetrado, o verbo é “dar”. O binômio comer/dar está fundamentado na metáfora da absorção, apropriação e consumo do parceiro passivo (a mulher ou um sujeito simbolicamente feminilizado) pelo sujeito ativo. No be-a-bá claro, os termos utilizados servem para mostrar a sujeição das mulheres como passivas.

El País, numa matéria “A solidão das mulheres inteligentes”, apresentou uma pesquisa que revela que os homens não gostam de mulheres inteligentes. Embora digam que sim, uma pesquisa feita na Universidade de Buffalo (Nova York), comprovou que quando, em situação prática, os homens se deparam com uma mulher mais inteligente que ele, num passe de mágica elas deixam de ser atraentes. É claro que há exceções, mas os homens precisam compreender que quando as mulheres se destacam, não é sobre eles, mas sim um avanço feminino sem volta.

Podemos acrescentar que eles também não gostam de mulheres que tomam a iniciativa, pagam a conta e têm um emprego superior ao deles. Uma aluna me contou, de certa feita, que sua amiga teve uma promoção e passou a ganhar mais que o marido. Sutilmente, a melhora de vida a fez querer jantar em outros restaurante e ela enfiava dinheiro na carteira dele para pagar a conta. Nas primeiras vezes, deu tudo certo, mas aos poucos, a sua independência financeira e a frouxidão do papel de provedor do marido, que se considerava o macho, ativo, passou a alimentar a insegurança dele. Em pouco tempo se separaram. No momento de consolo da amiga, ela repetiu, às lágrimas, que a culpa toda foi do seu emprego, e que preferia nem ter subido de cargo!

Os homens medianos não suportam mulheres independentes, livres e inteligentes. É aquele cara cabeça, da sua idade, cult bacaninha, e que só sai com as meninas que têm a metade de idade dele. Eles não sabem por onde começar quando se deparam com uma mulher que faz frente a ele. 

Um articulista do Bemdito, comentando um artigo meu, certa vez, disse algo que me chamou a atenção: “Adorei teu Dicionário Masculino, ácido e debochado no ponto certo. É muito o retrato. Nós, homens, temos uma jornada grande até sair desse atoleiro.” Nos grupos de mulheres que ele acompanha, diz ele, as mulheres já estão lá na frente discutindo relacionamentos e transgeneridade, e aos homens, a gente ainda tem que dizer que eles precisam se lavar. É, como diz uma amiga minha, “Pense como temos que ser evoluídas para lidar com esses machos!”

Paula Brandão

Doutora em Sociologia pela UFC, e professora do curso de Serviço Social (Uece). É pesquisadora na área de gêneros, gerações e sexualidades. Membro do Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania (Labvida) e integra o Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência (NAH).