(Não) Sai do sol, menina!
A descoberta, nas profundezas do inverno inglês, da saudade do sol e de como sua falta nos deixa mais vulneráveis ao coronavírus
Cintia Bailey
cintia.bailey@nhs.net
Moro na Inglaterra há 13 anos, e todo ano é a mesma coisa durante o inverno: aguardando o pior (frio e céu cinza), mas com esperança do melhor (sol). Somando a isso a saudade da família e da deliciosa culinária cearense, é quase certo que o inverno aqui vai ser sempre deprimente.
Durante o verão, a Inglaterra fica incrível. Para esta fortalezense que, por conta do bendito sol, sempre evitou sair de casa entre as 11h da manhã e as 2h da tarde, foi engraçado ver como os ingleses procuram desesperadamente nossa estrela maior quando ela dá um vislumbre de que está passando para mostrar sua cara. Corpos espalhados pela grama do lado de fora de seus escritórios ou simplesmente sentados na calçada, os ombros de fora para pegar um pouco de luz.
Tudo muda no inverno. Notei, ainda que de forma sutil, a mudança que essa estação provoca em mim: hipersonia (dormir muito), hiperfagia (comer muito) e ganho de peso (o óbvio). Coisas que sempre associei a dias curtos (pode escurecer por volta das 3h da tarde) e tédio. Obviamente, por causa disso, você só quer comer.
Eu não tinha ouvido falar de Transtorno Afetivo Sazonal (TAS) antes de me mudar para cá, mas parecia a síndrome não-diagnosticada perfeita para chamar de minha. O Transtorno Afetivo Sazonal é um tipo de depressão que vem e vai com as estações. Veja bem, o Ceará está bem na beira do Atlântico, logo abaixo da Linha do Equador. O TAS parece ser mais comum entre as pessoas que vivem muito ao norte ou ao sul da linha, e os sintomas são geralmente, sem surpresas, mais aparentes e mais graves durante o inverno. Para ser honesta, gostava bastante de poder culpar a simples falta de sol pelo meu persistente baixo-astral, irritabilidade, letargia e dificuldade de levantar da cama.
Com o tempo, foi piorando, o que me levou a examinar o problema um pouco mais de perto. A principal teoria é que a falta de exposição à luz solar pode impedir uma parte do cérebro de funcionar corretamente, o que pode afetar a produção de melatonina (hormônio que faz a gente se sentir sonolento), de serotonina (o hormônio que afeta o humor, apetite e sono) e o nosso relógio interno. Ou seja, a falta de sol tava me fazendo mal. Mesmo.
Interessante, certo?
Então, a Covid-19 aconteceu. Parece existir evidência de que a vitamina D faz uma diferença no risco de se contrair a doença: sua falta contribui para a vulnerabilidade da comunidade Bame (Black, Asian and minority ethnic, ou seja, negros, asiáticos e pessoas de minorias étnicas) aqui no Reino Unido. Os grupos que tradicionalmente exibem deficiência ou insuficiência de vitamina D, como adultos mais velhos e residentes de asilos, populações de etnia negra, asiática e minoritária, são os mesmos grupos que também foram desproporcionalmente impactados pela Covid-19 por essas bandas de cá. Além disso, o aumento do tempo gasto em ambientes fechados devido ao lockdown trouxe a preocupação de que algumas pessoas podem não obter os níveis fisiológicos necessários de vitamina D pela simples falta de exposição à luz solar.
Ha quem diga que a ligação entre a vitamina D e a prevenção da Covid-19 ainda é altamente especulativa, como é o caso de outros tratamentos. Apesar da dúvida, essa garota cética subiu até o quarto andar do hospital do NHS (Serviço Nacional de Saúde, em sua sigla em inglês) em que trabalha para receber suplementos de vitamina D, gratuitos, que estavam dando apenas para os empregados Bame.
Eu estava tão acostumada a ouvir o quão os raios do sol são prejudiciais que fiquei blasé sobre seus potenciais benefícios, mas me dei conta que a luz tem um efeito profundo em nossa saúde física e mental, gente.
Agora, quando o sol sai, levo meu almoço para a grama do lado de fora do meu escritório e sento com as pernas e os ombros de fora.
Se eu fechar os olhos, ouço levemente os sons do mar da Praia do Futuro e, se me esforçar ainda mais, o sanduíche de pepino fica com gosto de moqueca.
Mentira, é claro!
Cintia Bailey é jornalista e podcaster. Está no Instagram.