Bemdito

Negacionismo sem fronteiras

A poucas léguas da eleição, quanta cara de pau o bolsonarismo ainda tem no tanque?
POR Felipe Pinheiro
(São Paulo - SP, 12/06/2021) Motociata Acelera pra Jesus. Foto: Alan Santos/PR

Chegamos a 3 anos e meio de xogunato Bolsonarista. 42 meses desde que me felicitei por não ter batido palma pra doido dançar. 1.265 dias com a cabeça agoniada e a consciência tranquila.

Sob a ponte desse tempo já passou muita água, lágrima e sangue. Foram inúmeras as devastações: sanitária, ambiental, econômica, trabalhista, previdenciária etc. Em comum, além da rubrica de Jair, todas chegam a público revestidas com o verniz do negacionismo, aplicado em escala industrial nos cercadinhos bolsonaristas loteados Brasil afora. 

Com a eleição apontando no horizonte, as paquitas do mito precisam faxinar a imagem do líder, desencardi-lo das imundícies acumuladas nestes 3 anos e meio. É hora de redobrar o negacionismo em audácia e arrojo, romper fronteiras, explorar novas vertentes. Entre elas, destaco o negacionismo lexical, que tem como objetivo mais aberrante esvaziar a palavra “crime” de todos os seus significados, induções e implicações. Sabendo não ter como desfazer o ato crime, desfaçamos então o que se entende da palavra.

O negacionismo lexical não é um projeto de natureza moral, afinal não encontra no protegido a matéria-prima para isso. É então, por falta de moral legítima, um projeto de natureza semântica. O intuito, no cerne, é rejeitar metodicamente qualquer definição existente do que seja crime, até que, pela negação insistente e deslavada, nada pareça ser:

“Por que estão incriminando Bolsonaro em qualquer tocante? Ele devorou um morcego e gerou a Covid? Ele jogou bituca acesa e incendiou a floresta? Ele furou o casco de um petroleiro e derramou óleo no mar? Ele apostou errado no Bet365 e provocou a recessão global? Ele criou o Centrão a partir do barro? Ele pode controlar as molecagens milicianas e patrimonialistas de quatro filhos adultos?? Não! A questão é que todas as pessoas às quais Bolsonaro se aliou, e também todas às quais ele outorgou autoridade e confiança, não são pessoas confiáveis ou idôneas; então de jeito nenhum o problema é Bolsonaro, o problema nunca é Bolsonaro, o problema são todas as outras pessoas, todas as outras situações e todos os outros fenômenos circundando Bolsonaro. Bolsonaro é uma vítima da sociedade”.

É um ardil baseado em indagar a CULPA direta de Bolsonaro enquanto se furta de indagar sua RESPONSABILIDADE direta. O compromisso de Bolsonaro, portanto, seria com aquilo pelo que ele tem culpa, e se ele não tem culpa de nada, tampouco deve ser responsabilizado por coisa alguma. O que um presidente da república tem a ver com as ocorrências do país presidido, não é mesmo?!

Se na campanha de 2018 Bolsonaro era o dedo de Deus, um artífice que iria sanar todas as nossas carências estruturais e ideológicas, agora Bolsonaro é um neném, desentendido e inimputável pela sangria generalizada do Brasil. Não elegeram um chefe de estado, elegeram um mascote.

A longo prazo, a meta é nos envenenar com cinismo e desaforo até o ponto da decomposição lógica, quando só nos pareçam atraentes duas saídas: “Eu desisto” e “Você está certo”. A segunda sendo consequência direta da primeira. 

Então eu advirto porque a gente tem de se precaver, entende? Se treinar para segurar a onda caso chegue o dia – e não duvide que possa chegar – em que um bolsonarista te olhará de frente, de chapa, umbigo no umbigo, e perguntará, com um descaramento paralisante: “E desde quando roubar é crime?”. E caso isso venha a acontecer – e eu insisto que não se faça dúvida da possibilidade -, embora desarmados pela empáfia escandalosa, nós precisaremos fazer o esforço descomunal de acessar nossas últimas reservas de lucidez e responder, impávidos: “É crime desde sempre, palhaço(a)!!”. E enfiar-lhes uma torta na cara.