O Bolsoguedismo romântico no país movido a lenha
O fracasso retumbante do Posto Ipiranga sugere substituir o churrasco pelo “bife do zoião”
Xico Sá
bemditojor@gmail.com
O botijão de gás do Bolsoguedes chegou perto dos cem reais? Lá vem uma reportagem louvando as delícias e as vantagens do fogão a lenha. Muito romântico. E tome fotos incríveis no Instagram para curtidas invejosas.
Sim, muito romântico, meu caro, quando se trata apenas de um dia especial na serra de Guaramiranga, naquele banquete com a turma estribada, você todo metido a homem-bouquet, cheirando a rolha e exibindo seus conhecimentos sobre o vinho que custa umas dez bolsas famílias cada garrafa.
Quero ver na rotina da dona de casa, em busca de gravetos sob o sol dos Inhamuns, os meninos na barra da saia, o caritó em cinzas e o juízo em aperreios.
Até o pé de frango, creia, foi submetido a tal romantização dos tempos do bolsoguedismo. Pois sim, gourmetizaram a parte mais esquecida da anatomia galinácea. Entre os benefícios, repare, um apelo direto à vaidade, tudo é vaidade, assegura o livro do Eclesiastes: pé de galinha é rico em colágeno. Pense numa cútis burguesa, colega, sem precisar dos milagres da cosmética.
O fracasso retumbante do Posto Ipiranga na economia pede romantismo e também clama por substituições de produtos e iguarias. Onde queres um churrasco domingueiro, manda um “bife do zoião” que a riqueza de proteínas está garantida. E aproveita que este mesmo ovo precioso vai subir de preço —li uma entrevista dos bacanas do “agro é pop” tratando do custo dos insumos na indústria avícola.
Substituir até pode ser um exercício interessante e saudável, você aí que é fã da apresentadora Bela Gil manja do riscado. Não é o caso da troca forçada dos ingredientes do baião de dois pelo macarrão mais econômico da praça. Ou do pote de sorvete pelo dindim —sacolé, geladinho, flau ou chup chup, como é conhecido em outras regiões do país. Pelo menos que não seja dindim de k-suco, um clássico dos anos 80.
É a velha síndrome de Maria Antonieta na área, ali na França pré-revolução de 1789: “Se não tem pão, que comam brioche”. Epa. Há quem diga que a frase saiu da boca de dona Maria Teresa da Espanha (1638-1683). Elas que são da realeza que se entendam sobre a autoria da boutade.
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de Big Jato (Companhia das Letras), entre outros livros. Está no Twitter.