Bemdito

O encontro entre Felipe Neto e Noam Chomsky

Uma reflexão sobre conhecimento e leitura a partir da polêmica levantada pelo youtuber sobre crítica de Chomsky a Obama
POR Cláudio Sena

Uma reflexão sobre conhecimento e leitura a partir da polêmica levantada pelo youtuber sobre crítica de Chomsky a Obama

Cláudio Sena
claudiohns@gmail.com

No último dia 6 de maio, o youtuber Felipe Neto andou por um terreno bastante novo, pelo menos para ele, e foi surpreendido. Pisou numa espécie de mina, detonando uma bomba que parece ter explodido na cabeça do rapaz e, em suas palavras: “destroçou o crush que eu (ele) tinha no Obama”. Mas, ao que parece, era fogo amigo.

A arma fora instalada por Avram Noam Chomsky vivo, aliás, muito vivo mesmo, sobretudo para as questões da política e da desordem mundial. Felipe, admirado, reforça o óbvio no mesmo tuíte: “Meu Deus, como isso não é difundido e amplamente divulgado todos os dias?”. Pronto, foi o que bastou para o campo de batalha pegar fogo. Tentarei aqui narrar uns poucos personagens deste fio do Twitter que emergiram após o pouso do aviãozinho da atenção de Felipe no campo epistemológico do pensador norte-americano.

Chomsky, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, para os íntimos das ciências e da fama acadêmica), já havia declarado para o mundo sua desconfiança em relação a Barack Obama, acusando-o de terrorismo de estado por ter feito ataques com drones e realizado financiamento de guerras em países bem longe dos EUA, mas de interesses próximos.

Tratemos primeiro dos “guardiões do saber”, os que se incomodam pela ampliação do repertório do outro. Quem é NETO, Felipe para mexer com meu autor preferido? Vá mexer com seus desafetos da ciberesfera e nos deixe aqui em paz, mesmo que nosso forte sejam guerras. Chegou agora e já quer falar em nome do Chomsky? Pode tirar seu cavalo da tróia.exe.vbs.bat da chuva. Cadê o lattes dele?

Mas há também os amigos. É uma maravilha que Felipe tenha se dedicado aos estudos. O que ele faz é, na verdade, muito importante. Olhe quantas pessoas passaram e passarão a conhecer o Noam Chomsky. Além da humildade de reconhecer que não sabe. Ele está querendo mudar. Vamos apoiá-lo. Milhões de jovens que o acompanham podem deixar o Free Fire ou o Fortnite e pegar um livro.

Os isentos bem intencionados não perdem tempo e nem polêmica. Eu não o acompanho mais. Gostava dele antes. Agora que inventou de se meter com política, o segmento dele é outro. Pensa que sabe de tudo. Sou a favor de cada um no seu quadrado. Não mexe com quem está quieto, sabe? Depois, quando estiver cheio de haters, vai reclamar.

Pois bem, faça-se a profecia dos isentos: os haters, inimigos, trolls (que nem sei se usa-se mais esta última classificação) não iriam mesmo ficar calados. Mais um youtuber esquerdista este Felipe. Tem que ler o professor Olavo. E outra: quem este Chomsky pensa que é? Felipe Neto escolheu sua bandeira. E não é a brasileira. Pior: não é nem norte-americana. Certamente está sendo financiado por alguém.

Independentemente das reações, no dia 7 de maio, estava lá o Felipe: “Posso tranquilamente dizer que Noam Chomsky está mudando minha vida através da reavaliação de inúmeras certezas que me cercavam”. Ainda bem que ele resolveu descobrir estas ideias depois de uma certa estabilidade financeira. Espero, de coração, que ele continue as leituras. Mas também que entenda: conhecimento é, inevitavelmente, um recorte, e cada carga teórica converte-se em filtro e lente, sobrepondo-se aos nossos olhos. Leitura é escolha. Às vezes, é também descoberta e, consequentemente, filiação às correntes teóricas e visões de mundo.

Fico feliz que ele tenha topado com Chomsky e tenha se inclinado para uma compreensão de mundo mais complexa e humana. Espero que continue. Ao mesmo tempo, preocupo-me com o youtuber e com as reações da audiência, assumida ou não, quando ele enfileirar nas leituras Michel Foucault, Pierre Bourdieu, Florestan Fernandes, Hannah Arendt, Edward Said, as epistemologias do sul, do norte, do leste, do oeste, e tanta gente que há anos empreende o esforço de compreender os mundos em que vivemos.

Enquanto tantos intelectuais e pesquisadores dedicam suas vidas e não encontram a retribuição devida, escondem-se, por desejo, por desistência, por cansaço ou por força das circunstâncias, o youtuber tem uma pequena chance de mudar isso, pelo menos até que alguém o pare. Por isso, continue, Felipe Neto.

Cláudio Sena é professor e publicitário.

Cláudio Sena

Doutor em sociologia, professor, pesquisador e publicitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto.