O Google não comemora a Páscoa
O que a falsa neutralidade das big techs nos diz sobre o efeito da plataformas digitais em nossas vidas
Simone Mayara
simonempf@gmail.com
Na última semana, dia 4 de abril de 2021 para você que lê do futuro, foi comemorada a Páscoa. Para os cristãos, é a festa máxima, tendo em vista que todas as profecias e esperanças se realizam ali com a morte do Homem-Deus, fazendo uma nova aliança. O fim daquele Deus castigador do Antigo Testamento e o início de uma nova, mais próxima e filial relação entre o povo, que agora não é mais apenas o escolhido, mas todo aquele que decida reconhecer essa verdade. Não importa mais como você nasceu, mas como estará diante da morte, arrependido ou não. Em busca de ser melhor ou não.
Salvo ou não.
A data também remonta à Páscoa dos judeus, quando Moisés guiou o povo para o fim da escravidão no Egito. Mas não se preocupem, essa contextualização inicial não tem qualquer objetivo de catequizar, mas explicar. O ponto central mesmo são as big techs. Já há alguns anos, as grandes empresas de tecnologia estão na mira de discussões próprias aos períodos disruptivos. Algumas redes sociais têm número de participantes que as colocariam como países médios ou grandes.
E como as big techs encontram a Páscoa neste texto?
Bem, uma amiga chamou a atenção para o fato de que o Google faz doodles (aquelas imagens criativas e interativas a partir de sua logo) para comemorar absolutamente tudo. Este ano, até o Ano Novo Chinês foi tema no Brasil. Mas a Páscoa não. Falando sobre isso e como não fazia o menor sentido, tendo em vista que, no mundo ocidental, pouca gente comemora o ano novo chinês, mas comemora a Páscoa. Judaica ou cristã. Pensando sobre o assunto, lembrei no começo do ano quando o então presidente dos Estados Unidos teve sua conta extinta em uma dessas plataformas com a justificativa de propagar discurso de ódio.
Sim, meu raciocínio faz ligações inusitadas.
Os que vibravam a favor da medida ressaltavam que tamanho poder de comoção não poderia ser deixado nas mãos de um tresloucado e a plataforma fez certo. Acontece que decidir o que é discurso de ódio é bastante subjetivo. Tanto que, na mesma plataforma, alguns líderes de Estados, mas também de grupos armados, propagam vídeos – por exemplo, o presidente do Irã, Hassan Rohani, conclamando o seu povo a acabar com o Estado de Israel. Alguns posts, inclusive, com vídeos de como seria fazer esse sonho acontecer com bombas e comemoração. Segundo a plataforma, isso não é discurso de ódio, já que continuam lá.
Meu ponto aqui é a falsa neutralidade dessas plataformas. Essas plataformas são empresas, suas relações são baseadas em contrato e confiança. O mercado funcionando em sua melhor forma. Então, se estamos falando de empresas, e não de representantes do povo: por que as pessoas começaram a achar que quem forma essas empresas e plataformas e cria suas diretrizes são neutras? Somos mesmo tão inocentes?
Ainda estamos em uma passagem na qual alguns tentam entender o efeito dessas plataformas na nossa vida, da saúde à economia, e outros pensam teorias enormes de engenharia social, de conspiração ou não. Confesso, com toda a sinceridade, que escrevo sem grandes certezas. Acreditar que um é banido e outro não porque todo mundo é bonzinho me parece demais. Mas toda essa conversa sobre o Google não comemorar a Páscoa e as lembranças que vieram depois, dos muitos episódios envolvendo esses grupos, deixaram-me pensando muitíssimo sobre a atenção a ser dada. Não são meus representantes, não precisam concordar comigo. Uso seus serviços, então estou livre… Mas já são parte fundamental da rotina. Então, diante das escolhas do Google, só posso garantir que não vá esquecer das que faço para mim. Em tempo, Feliz Páscoa.
Simone Mayara é Analista Política no Instituto Livre Mercado. Pode ser encontrada no Instagram.