O imprevisível à espreita
Pensar sobre o imprevisível provoca um frio na espinha. Marília Arnaud, em O pássaro secreto, traz à lembrança o questionamento: “Por que as coisas que mais tememos que aconteçam acontecem sem que possamos fazer nada para evitá-las?”. No começo da leitura, fiquei assombrada com o trecho estampado no marca-páginas, que me acompanha ali, o tempo todo, remoendo a ideia de que nossos medos podem se tornar realidade. Pensando bem, como uma forma de subversão, comecei a perceber que gosto de caçar o imprevisível. A parte boa dele, digo.
No Icapuí, município pertinho da divisa do Ceará com o Rio Grande do Norte, onde tenho passado longas temporadas a fugir da pandemia, exercito o hábito herdado de papai que é curiar o céu esperando fenômenos imprevisíveis. Uma estrela cadente, um eclipse não anunciado, nuvens de chuva que se deslocam, sinais de que OVNIs podem estar passeando por aqui.
Quando criança, ficávamos sentados na areia da praia observando o céu à noite. Havia um frisson na expectativa de sermos testemunhas de algo brilhante que o imprevisível poderia oferecer. Meus pais até juram que viram um objeto voador não identificado no céu da praia de Águas Belas, em Cascavel. Fã de Arquivo X que sou, invejei por muito tempo a experiência.
Observar o céu pode ser um aprendizado semelhante ao de pescar – quando você não é especialista em nenhum dos dois -, porque se espera muito, mas pode ser que nada aconteça. E quando uma bobagem, que seja, se manifesta, sinto que volto com o coração preenchido por muitas histórias. O que mais espero atualmente são as estrelas cadentes, já que os OVNIs se mostraram mais difíceis. Mamãe sempre dizia para eu fazer um pedido quando as encontrasse, que era um sinal de boa sorte. Durante a pandemia, fiz alguns pedidos para estrelas cadentes, na esperança infantil de que alguma coisa mudasse a partir dali.
Nestes tempos em que o imprevisível nos aterroriza, com o pavor da Covid-19 pairando pelo mundo, pensar nas boas surpresas que não esperamos é também uma práxis da fuga, é pensar que o imprevisível pode nos trazer sorrisos. Não quero aqui estimular aquela que chamamos de positividade tóxica, longe disso. Se este texto fosse uma sessão de terapia, eu poderia concluir acreditando que o que escrevi aqui faz parte de um ciclo de tentar controlar o imprevisível, mais uma vez. Mas, como não estamos no divã virtual, posso encerrar acreditando que o céu à noite tem muito a nos ensinar sobre resiliência.