Bemdito

O tempo da democracia não é o tempo das redes sociais

Como a revolução na comunicação modificou a velocidade com que algo se torna o centro dos debates ou perde espaço
POR Desirée Cavalcante
Marvin Meyer

Como a revolução das formas de comunicação modificou, definitivamente, a velocidade com que algo se torna o centro dos debates ou perde espaço

Desirée Cavalcante
desireecavalcantef@gmail.com

Não é incomum que, ao ler o resumo das notícias diárias, eu seja tomada por uma preocupação de caráter pessoal. Mesmo em relação aos temas sobre os quais procuro me informar ativamente, tenho a sensação de que não os acesso na velocidade adequada para acompanhar os debates no momento em que eles ocorrem, especialmente aqueles desenvolvidos na Internet.

Em tempos de hiperconexão, estar em atraso significa não engatar uma discussão no exato instante em que a informação começou a circular. Esperar o fim do dia para acessar as notícias, não abrir imediatamente um link encaminhado ou dosar o tempo conectada às redes sociais – comportamentos que podem indicar a busca por hábitos mais saudáveis ou apenas serem resultado da ocupação com os trabalhos do dia – têm a capacidade de nos levar ao incômodo local da desatualização.

No entanto, a expectativa de instantaneidade no processamento de informações e, sobretudo, na reação pública aos fatos, além de causar um mal-estar pessoal, não parece ser tão natural à democracia. Não se trata, portanto, de uma questão exclusivamente individual.

A revolução das formas de comunicação – revelada, por exemplo, com a criação de ferramentas para troca de mensagens diretas entre as instituições e a população; com a existência de canais de notícias 24 horas; e com o próprio compartilhamento de informações entre os cidadãos – modificou, definitivamente, a velocidade com que algo se torna o centro dos debates ou perde espaço.

Há, de fato, uma expectativa social e, em alguma medida, uma necessidade de pronunciamentos e posicionamentos rápidos. A questão, entretanto, é que, muita vezes, a reação instantânea parece mais próxima de respostas emocionais ou de preconcepções do que de um agir refletido, exigido pela complexidade das questões que conturbam o cotidiano da sociedade contemporânea.

A política não objetiva apenas a solução de fatos presentes. A reflexão é essencial para que se mantenha uma perspectiva das agendas a longo prazo e da construção de um projeto de sociedade compartilhado.

É importante meditar sobre as razões que levam à ânsia de conexão permanente e que pressionam o indivíduo a dar retornos sociais constantes – e refletir ainda sobre as repercussões que essa estruturação tem a níveis individual e coletivo.

A democracia, em certos aspectos, requisita um tempo para se desenvolver, o qual não é compatível com a velocidade extrema alcançada pela sociedade em rede. O reconhecimento dessa questão é necessário para que se reduza a frustração social com as ações políticas, oriundas de expectativas irreais com aquilo que deveria ser o produto da representação ou das políticas públicas. Os debates democráticos exigem a consideração da pluralidade de visões, o que, por si só, reduz a velocidade do processo de diálogo.

Reconhecer quem somos e como funcionamos em sociedade permite estabelecer um ritmo de comunicação e de ação compatíveis com o real, tornando possível o alcance de resultados positivos, sem alienar o indivíduo de si e sem corroer as bases mais sólidas da vida coletiva.

Desirée Cavalcante é advogada, professora e pesquisadora na área de Direito Constitucional. Está no Instagram.

Desirée Cavalcante

Advogada e doutoranda em Direito pela UFC, é professora de cursos de pós-graduação e 1a vice-presidente da Comissão Especial Brasil/ONU de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã da OAB/CE.