Politização (ou bolsonarização) das PMs: O pós-7 de setembro
Em coautoria com Lara Abreu*
Nas duas semanas anteriores à comemoração do 7 de setembro, a sociedade brasileira, mais uma vez, se viu aprisionada nas narrativas do medo e da incerteza, tão bem orquestradas pelo presidente da República e sua claque, sobre a possível realização do tão esperado golpe no dia fatídico da Independência do Brasil. Se já não bastasse a tensão costumeira produzida pelo próprio presidente junto ao STF, nos vimos diante um novo foco de tensões: a possibilidade de uma sublevação das PMs em todos os estados da federação como forma de apoio ao golpe.
Durante essas duas semanas, analistas se debruçaram sobre a crescente politização (ou bolsonarização) das policiais militares e, ao mesmo tempo, buscaram profilaxias que pudessem ajudar os governadores a evitar a adesão dos policiais militares aos eventos, a exemplo dos artigos já publicados nessa coluna.
O fato é, caro (a) leitor (a), que a participação dos militares foi minoritária e discreta visto que apenas registrou-se, no dia que antecedeu os eventos do 7 de setembro, uma certa passividade das forças de segurança quanto a contenção de manifestantes. A exemplo do que aconteceu no dia 6 de setembro, quando manifestantes bolsonaristas retiraram as grades de contenção e barricadas que protegiam a Esplanada dos Ministérios em Brasília.
Há de se imaginar ainda que a participação (direta) de PMs nos atos do 7/9, quando houve, foi contida tendo em vista que não tivemos registros de agentes de segurança entre os manifestantes. Aqueles que (eventualmente) aderiram aos atos estavam à paisana e não ultrapassaram os limites constitucionais.
Em São Paulo, o governador João Dória (PSDB), ordenou que a PM revistasse todos os manifestantes que fossem às ruas no 7/9. Entretanto, segundo reportagem da BBC Brasil, observou-se a ausência de barreiras de contenção e revista nas manifestações pró-Bolsonaro. Questionados, os policiais afirmaram que foram orientados a revistar os manifestantes a partir das 10 horas da manhã.
No dia 8, dois episódios chamaram atenção: a tentativa de invasão do prédio do Ministério da Saúde por manifestantes pró-Bolsonaro e a paralisação e bloqueio de estradas federais por parte de caminhoneiros.
Em todos esses eventos não houve forte resistência da Polícia Militar com o uso dos seus recursos não-letais, tais como bombas de efeito moral, spray de pimenta e gás lacrimogênio.
Esses episódios contrastam com outros em que a PMDF agiu com maior vigor a fim de dispersar manifestantes e evitar a invasão de prédios públicos. Em vídeos que circularam pela internet, manifestantes pró-Bolsonaro relataram a “truculência” da polícia.
A diferença quanto aos protocolos utilizados por agentes de segurança pública no que diz respeito às manifestações do 7/9 podem indicar que a ala mais radicalizada (e bolsonarista) é minoritária (embora barulhenta), ou que governadores e Ministério Público foram exitosos em suas ações de contenção das PMs ou ambas as coisas. Aqui vale lembrar Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em reportagem da Conectas Direitos Humanos, ainda em 2013, que já assinalava: “Não é uma decisão técnica usar ou não bala de borracha. É uma decisão política”.
A ressaca dos atos de 7/9
Que observações podemos inferir das manifestações de 7/9? As instituições resistiram? A democracia brasileira sobreviverá ao bolsonarismo? E o presidente, como saiu do 7/9?
Por um lado, as manifestações de 7/9 reorganizaram e reafirmaram a coesão de sua base eleitoral (que se move pela radicalidade). Os discursos de Bolsonaro, insuflando os manifestantes contra ministros do STF, insinuando desobediência a decisões judiciais, por exemplo, cumpriram seu papel de (re)animar as hostes bolsonarista. Ao mesmo tempo, a elevação do tom, sobretudo contra ministros do STF, forçou uma reação mais incisiva da corte.
O 8/9 foi marcado pelo discurso do ministro Luiz Fux reafirmando o compromisso do STF com a democracia e lembrando que os responsáveis pelos atos antidemocráticos da véspera seriam responsabilizados. Em paralelo, começou a circular por Brasília e no meio político conversas sobre o impeachment do presidente.
O que vimos a seguir foi um presidente acuado, receoso de responder por crime de responsabilidade e recorrendo aos medalhões da política para aplainar os ânimos da suprema corte, dos setores econômicos (preocupados com a instabilidade política agravada pelos atos do 7/9) e de caminhoneiros que insistiam na paralização e interdição de estradas Brasil afora – o que provocou medo de desabastecimento. A mobilização a favor do presidente havia saído do controle.
O ex-presidente Michel Temer (MDB), versado na arte do diálogo e da negociação, foi o bombeiro chamado para apagar o incêndio. O pedido de socorro a Temer, seguido da carta de recuo do presidente soou negativamente entre sua base que, já naquele momento, viu parte de suas lideranças com mandados de prisão expedidos pelo STF, caso de Zé Trovão.
Essa é a lógica bolsonarista. Radicaliza para reagrupar a base e, quando o cerco (institucional) se fecha, entrega um dos seus como bode-expiatório para acalmar o adversário da vez e salvar a pele do chefe. Para, em seguida, tensionar novamente. Se as instituições irão resistir a essa lógica, não arriscamos responder. Mas de todas as lições do 7/9, a que ficou foi que Bolsonaro como presidente é um excelente animador de auditório.
*Lara Abreu é doutoranda em Sociologia pela Uece, mestre em Políticas Públicas e pesquisadora do Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética (Labvida/Uece).