Por que precisamos de uma terceira via?
A política é constituída por dois componentes fundamentais: o componente afetivo e o racional. Ambos orientam os embates políticos e, muito embora sejam opostos, não são excludentes.
Tomando por base esses dois componentes, chamo atenção para o fato de que desde 2016 o componente afetivo tem predominado e organizado o campo das disputas eleitorais, alimentando uma polarização radicalizada que tem favorecido candidaturas populistas.
Segundo o analista político Antônio Lavareda, desde 2016, as eleições no Brasil estão inseridas no que ele denominou por “ciclo de eleições críticas”. Para ele, o ciclo de eleições críticas foi resultado de aguda crise econômica e política no país, que provocou desmoronamento do sistema partidário eleitoral. O ápice foi o pleito de 2018, marcado por uma forte polarização e pelo deslocamento do PSDB como polo antagônico das disputas presidenciais à direita, levando à eleição de um outsider, Jair Messias Bolsonaro (então pelo PSL).
Como continuidade do ciclo de eleições críticas, as disputas municipais de 2020 anteciparam, em alguma medida, o caráter de forte polarização, que, ao que tudo indica, marcará também as eleições de 2022.
É o que têm apontado as últimas pesquisas de intenção de votos. No levantamento do IPEC, de 25 de junho, por exemplo, Lula apareceu com 49% de intenção de votos e Bolsonaro, com 23%. Outros nomes ficam abaixo dos dois dígitos.
Petismo x bolsonarismo
A forte polarização Lula-Bolsonaro tem reforçado o componente afetivo como orientador dos embates políticos e dificultado o diálogo e os acordos que viabilizam uma alternativa (de centro ou direita) dentro do campo democrático.
O que quero dizer é que, nesta conjuntura polarizada, o petismo alimenta o bolsonarismo, e vice-versa, como uma espécie de “antagonista perfeito”. Do ponto de vista discursivo, ambos buscam capturar o eleitorado a partir do que se rejeita no adversário (visto, quase sempre, como um inimigo a se bater), mobilizando, para tanto, afetos negativos.
Por meio dessa lógica, qualquer alternativa que não esteja em um desses polos é ignorada/rejeitada, visto que o debate público limita-se “ao que não se quer”. Perde-se, portanto, a possibilidade de discutir o que “o eleitor deseja” e quais projetos estão sendo propostos para o futuro do país.
Vale lembrar que, a despeito do desgaste político do presidente, estamos a quase um ano das eleições, e que a presidência é um cargo que concentra muito poder e capacidade de aglutinar forças e partidos. Portanto, com potencial de recuperação. Estimado(a) leitor/a, ainda há muita água a passar debaixo dessa ponte!
Se seguirmos esse roteiro, o risco que corremos é de não termos candidaturas do campo democrático disputando o segundo turno presidencial. Ou ainda, o de reeditarmos 2018.
Daí a importância de uma terceira via forte e unificada em torno de um projeto político. Para além disso, a necessidade de retomar um pouco da racionalidade política associada a um olhar positivado de uma alternativa fora dos polos.
Reconhecer a política como um campo de disputas que possui lógica própria e que não se move apenas por afetos, mas que incorpora também racionalidade é fundamental se quisermos, de fato, preservar nossa jovem democracia.
Nesse sentido, são válidos os esforços de construção de uma terceira via que, furando a bolha da polarização radicalizada, consolide um projeto político como alternativa dentro do campo democrático.