Quando veremos novamente uma Presidenta da República?
Em um cenário de sub-representação política das mulheres no Brasil, é fundamental refletir sobre a atuação dos partidos políticos, da direita à esquerda
Monalisa Soares
monalisaslopes@gmail.com
Essa questão tem me interpelado nas últimas semanas ao me deparar com notícias e posts nas redes sociais recordando o processo de deposição da ex-presidenta Dilma Rousseff. Contribuindo para a imersão no tema, assisti ao documentário Alvorada, dirigido por Ana Muylaert e Lô Politi, que acompanhou o cotidiano de Dilma durante o julgamento no Senado que levaria ao veredito sobre seu afastamento definitivo.
Estimulada por esse contato, retomei questões que, à época do impedimento, marcaram o debate público e que, em minha perspectiva, foram esmaecendo em meio a outras tantas: quando veríamos novamente uma mulher em condições de competitividade disputando a Presidência da República? E mais, ocupando o cargo após vitória nas urnas?
A sub-representação política das mulheres, na maioria das vezes, é discutida com foco na implementação das cotas de gênero, dando ênfase às candidaturas proporcionais para Câmara de Vereadores/as, Assembleias Legislativas e Câmara Federal. Quando tratamos dos cargos cuja eleição é majoritária, como é o caso dos Executivos municipal, estadual, federal, além do Senado, o tema da sub-representação feminina assume contornos mais desafiadores.
Considerando os cargos executivos, sem critérios de gênero para o recrutamento de candidaturas, não raro assistimos disputas nas quais todos os candidatos são homens. Se observarmos o resultado das últimas eleições para prefeituras e governos estaduais pós-impeachment, a visão geral do número de eleitas não é nada animadora.
No pleito de 2016, disputa que ocorreu imediatamente após o processo de deposição de Dilma, houve queda no número de mulheres que venceram as disputas municipais. Naquele ano, foram eleitas 641 prefeitas (11,57% do total), 18 a menos do que na eleição anterior em 2012. Entre as vitoriosas, apenas 1 delas governaria uma capital de estado (Teresa Surita – Boa Vista/MDB). Em 2020, houve um crescimento ínfimo: saindo de 641 para 651 prefeitas (12,1% do total), mantendo apenas uma capital governada por uma mulher (Cinthia Ribeiro – Palmas/PSDB). Em 2018, de todas as unidades federativas, foi eleita apenas uma governadora, Fátima Bezerra (PT/RN).
Na última disputa pelo Executivo Federal, como pudemos acompanhar, a presença das mulheres se deu majoritariamente na condição de coadjuvantes. Houve cinco candidatas a vice-presidentas: Ana Amélia (PP), Katia Abreu (PDT), Manuela D’Ávila (PCdoB), Sonia Guajajara (PSOL) e Suelene Balduino (Patriotas). Apenas Marina Silva (REDE) e Vera Lúcia (PSTU) concorreram como cabeça de chapa.
Em entrevista recente, a ex-ministra do Meio Ambiente, mulher que mais disputou campanhas presidenciais (2010, 2014 e 2018), destacou os desafios que vivenciou na disputa de 2018: “Na campanha presidencial passada, fiquei exausta de ter que o tempo todo ficar provando que era capaz, em todos os sentidos: do ponto de vista técnico, de gestão, cognitivo, intelectual”. Na entrevista, Marina deixa claro que tais interpelações não foram feitas aos seus concorrentes, inclusive as que se referem à condição física.
Atualmente, vemos um completo frisson em torno do cenário eleitoral de 2022 a nível federal. Discussões sobre o impacto da elegibilidade de Lula, os efeitos da pandemia na candidatura à reeleição de Bolsonaro, as chances de constituição de uma terceira via que suplante a “polarização”… Relevante, porém, é percebermos que, em meio a tantas análises, uma questão não chame atenção: não há menção a nenhuma mulher entre as pré-candidaturas para 2022. É o que destaca a jornalista Adriana Vasconcelos, em artigo recente. O fato torna-se digno de nota pois, além das mulheres serem a maioria do eleitorado, desde 2006 as disputas presidenciais brasileiras têm contado com mulheres entre os/as postulantes.
De um lado, é estarrecedora a naturalidade com que essa ausência é recebida no debate público. A falta de questionamentos sobre o tema contribui para reforçar estereótipos que associam o executivo federal, cargo político mais importante do País, a uma atribuição de lideranças masculinas, sendo a presença das mulheres nesse posto entendida como algo raro e episódico.
Por outro lado, também nos cabe questionar sobre o que pode ser feito para encarar e modificar essa realidade. A cientista política Andira Monzoy afirmou que pesquisas cotejando experiências de diversos países sugerem que as variáveis institucionais são bastante relevantes para a inserção das mulheres na política. Nesse sentido, destacamos o papel que desempenham os partidos políticos como atores estratégicos da política institucional em virtude do seu poder de agenciamento, recrutamento e construção de candidaturas.
A socióloga Irlys Barreira afirma que a entrada das mulheres na política constitui episódios marcados por discursos e ritualidades que evocam as suas “capacidades de romper barreiras”. Isso é fruto dos obstáculos enfrentados na disputa por posições de poder político, incluídas aqui as instituições partidárias.
Desse modo, entendemos que, se existe um cenário de sub-representação política das mulheres no Brasil, é fundamental que façamos uma reflexão sobre a atuação dos partidos políticos, da direita à esquerda. Apontamos, então, algumas questões para o debate: que medidas os partidos têm adotado com vistas a promover os direitos políticos das mulheres? Quantas dessas ações têm superado o caráter retórico e a dinâmica intrapartidária, contribuindo efetivamente para a formação de lideranças femininas que representem os partidos na esfera pública?
Sem enfrentarmos tais questões, nos restará a pergunta que deu ensejo a esse texto: quando veremos novamente uma mulher na Presidência da República?
Monalisa Soares é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM) com ênfase em campanhas eleitorais, gênero e análise de conjuntura. Está no Instagram.