Bemdito

A vez de Izolda

As luzes da primeira mulher a assumir o cargo de governadora do Estado do Ceará
POR Juliana Diniz
Mateus Dantas

Grandes mudanças costumam levar muito tempo e quase sempre acontecem sem que possamos nos dar conta de seus sinais mais sutis. A máxima se aplica a quase tudo na vida e em especial à política.

Há momentos, contudo, em que lufadas de ar fresco parecem indicar que estamos em pleno curso e os símbolos são mais evidentes, capturáveis no instante-quase de uma foto. Como o sapato feminino colorido em meio a uma fileira de tediosos (porque idênticos) pares masculinos que vemos no clique magnífico de Mateus Dantas, a ilustrar este texto.

No dia de hoje, quando assume o Palácio da Abolição Izolda Cela, o Ceará passará a ser gerido por uma mulher pela primeira vez na história. Não se trata de um acontecimento trivial, sendo mais do que a simples evidência de uma presença feminina em um espaço político historicamente capturado pelo domínio masculino no estado. Ouso dizer que a chegada da governadora é uma janela de oportunidade para alguma esperança.

Por suas características únicas, Izolda Cela parece personificar a marca de um novo fazer político, uma nova cultura de gestão do poder. 

Discreta, pouco dada a afetações e performances acaloradas, a nova governadora do Ceará se mostrou, ao longo de sua trajetória, não só uma aliada leal, mas gestora inteligente, capaz de entregar avanços perceptíveis em áreas complexas e sensíveis como a educação.

Podemos imaginar que sua discrição é uma boa estratégia para se firmar como player de substância no grupo político liderado pelos Ferreira Gomes, que define os rumos da política cearense há tantos anos. É um grupo que reconhecemos pela concentração, que dificulta o desenvolvimento de novas lideranças que possam ofuscar as extravagâncias dos irmãos-no-poder.

É essa concentração que torna possível que antagonistas carismáticos, como um capitão insubordinado da polícia, possam disputar perigosamente o terreno, ameaçando a estabilidade do projeto de transformação estrutural do estado que os Ferreira Gomes gostam de alardear.

Izolda assume o posto sob muitos holofotes, porque é uma das possíveis candidatas a disputar o Executivo as eleições de 2022. Não será um projeto fácil: em seu caminho, se apresentam nomes mais confortáveis aos íntimos do poder, nomes que não destoariam na fileira de sapatos formais. Estará o grupo político à frente do estado pronto a ceder o protagonismo a uma gestora discreta, eficiente e com brilho próprio?

Por nascer dessa contradição, mulher na geografia masculina de um estado tão tradicionalista em matéria de gênero e política, no âmago de um grupo pensado por e para homens, Izolda Cela personifica a possibilidade de renovação responsável. Sua força é dupla: cresceu na política em ritmo tranquilo, apesar de todos os obstáculos; se manteve fiel a quem é, sendo capaz de pacientemente esperar o momento de sentar à mesa e entonar sua própria voz em um cenário muito favorável, após dois mandatos de um governador pacificador, bem avaliado, que sai em meio as palmas.

O estado parece pronto para ouvi-la.

Juliana Diniz

Editora executiva do Bemdito. É professora do curso de Direito da UFC e Doutora em Direito pela USP, além de escritora. Publicou, entre outras obras, o romance Memória dos Ossos.