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Que Brasil nós conhecemos?

Suspensão do Censo, única pesquisa que visita a casa de todos os brasileiros, faz de nós um país que não se conhece
POR Yanna Guimarães

Suspensão do Censo, única pesquisa que visita a casa de todos os brasileiros, impacta políticas públicas e faz de nós um país que não se conhece

Yanna Guimarães
yannits@gmail.com

Foi em 2010 que uma mulher, Dilma Rousseff, foi eleita pela primeira vez presidente do Brasil. Naquele ano, o goleiro Bruno foi preso acusado de assassinato, o filme Tropa de Elite era o sucesso da bilheteria nacional e Dunga comandava a seleção na Copa do Mundo da África. Tanta coisa já aconteceu desde então… Mas são os dados daquela época – quando foi feito o último Censo Demográfico – que ainda norteiam todo tipo de pesquisa e política pública no território nacional.

Feita a cada dez anos, a última consulta deveria ter sido realizada em 2020, mas foi adiada em razão da pandemia. No último dia 22, com a sanção do presidente Jair Bolsonaro do Orçamento de 2021, foi confirmada a suspensão do Censo também este ano, mas por “falta de recursos”. Conforme comunicado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o orçamento necessário para a realização da pesquisa seria de R$ 2 bilhões. Agora o órgão vai buscar junto ao Ministério da Economia que o Censo seja feito em 2022, doze anos depois da última consulta.

E na prática, que impactos que a falta desse conhecimento sobre a população do Brasil pode trazer? Perde-se eficiência das políticas públicas, desde o auxílio emergencial à vacinação. Mas não somente isso. Fica difícil saber quais municípios precisam de mais escolas, de mais incentivos para emprego, de um hospital. O dinheiro pode acabar sendo destinado para municípios que diminuíram de população e faltando para cidades que cresceram. A explicação é de Sergio Besserman Vianna, ex-presidente do IBGE.

Conforme o Instituto, o Censo é a única pesquisa que visita as casas de todos os brasileiros – são 71 milhões de domicílios particulares permanentes, espalhados por 5.570 municípios. Todos recebem o questionário básico, com 26 perguntas. O questionário da amostra, aplicado a 10% do total (7,1 milhões de domicílios), abarcaria este ano 76 questões. Os temas: características dos domicílios, identificação étnico-racial, nupcialidade, núcleo familiar, fecundidade, religião ou culto, deficiência, migração interna ou internacional, educação, deslocamento para estudo, trabalho e rendimento, deslocamento para trabalho, e mortalidade.

No Censo, não consta apenas o tamanho da população brasileira, mas informações sobre frequência à escola e à universidade (e quais disciplinas estão sendo cursadas), saneamento, sustento da família, raça, mortalidade, tipo de moradia, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica, entre outros dados. O poder das estatísticas é fazer um país se conhecer. O mercado também depende delas. O acesso às informações econômicas de qualidade permite um planejamento do futuro, fazendo com que as empresas possam decidir bem onde alocar recursos e saber as potencialidades e limites dos investimentos.

Isso é explicado historicamente: governos mais desenvolvidos investiram bastante na construção de capacidades estatísticas e recebem apoio de instituições como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Fundo Monetário Internacional (FMI), que reconhecem a importância das boas estatísticas. Em estudo realizado pelo próprio BID, em 2018, o Brasil (7,8) tinha a terceira maior capacidade estatística da América Latina, atrás de México (8,8) e Colômbia (8,1). A colocação não era a melhor, mas foi garantida graças ao bom trabalho do IBGE, que começou em 1872, quando o primeiro Censo foi realizado. A partir de 1920, passou a ser feito a cada dez anos. Só deixou de ocorrer duas vezes: em 1930, por causa da Revolução, e em 1990, na época do Plano Collor.

Já dizia o velho ditado: informação vale ouro. É preciso conhecer o Brasil para ajudá-lo, para planejá-lo, para torná-lo maior. Mas essa não parece ser a prioridade do governo atual. E a cada novo episódio desta gestão, só temos certeza de que o País dá mais um passo para trás.

Yanna Guimarães é jornalista e mestre em Comunicação de Ciência pela UNL. Está no Instagram.

Yanna Guimarães

Jornalista e mestre em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova de Lisboa.