“Quero o Haddad para marido. E para presidente?”
Se tem algo que precisa de uma autocrítica, talvez não seja o PT de Lula, mas os esquerdo-machos de todos os partidos
Paula Brandão
paulafbam@gmail.com
Essa frase foi dita em um balcão, fim de tarde, enquanto tomava drinks com as amigas. O contexto era afirmar que Haddad é um homem bonitão demais, muito gentil e educado para ser político. Sua polidez, às vezes, nos faz desejar pular em cima dele quando ele se mantém calmo e pávido enquanto um cretino chama o Lula de ladrão e ele de poste.
Poxa, Haddad, meu coração bate por você, mas falta aquela ousadia, um vigor atrevido, de dizer algo perturbador e tirar esses caras da linha! Não é isso que esperamos dos políticos? Comecei a pensar sobre os homens que moldam o nosso ideal de político e acrescentei os de esquerda. Os comentários das amigas sobre esses homens machistas, independentemente do que eles leem e de suas posições políticas, revelaram um certo ranço que eles carregam, uma superioridade herdada dos seus ancestrais.
Não tem símbolo mais viril na esquerda do que Che, o Ernesto. Guevara faz qualquer mulher suspirar e sonhar seguindo-o pelas matas, esconderijos mais laboriosos, em busca de um ideal. E quando ele fumava aquele charutão? Nem o velho Marx podia com tal modelo!
Mas, afinal, esses símbolos valem mesmo toda nossa comoção? Se tem algo que precisa de uma autocrítica, talvez não seja o PT de Lula, mas os esquerdo-machos de todos os partidos! Mulheres do Brasil, uni-vos!
Não há, para nós, feministas esquerdistas, algo pior do que um macho desses! Veja bem, a questão reside no fato que os de direita, debochados, com piadas sexistas e homofóbicas, nós já estamos exaustas de combater, de reivindicar um pouco de humanidade, de pedir que leiam mais para se informar, que se coloquem no lugar do outro! Não desistiremos de ensiná-los, ainda que estejamos já cansadas dessa cantilena. Mas o de esquerda é nosso camarada nas lutas, companheiro das nossas batalhas cotidianas. Como podemos lutar contra algo que é endógeno a essa formação político-ideológica?
Em Crise e Insurreição, o Comitê Invisível diz: “Talvez, possamos nos
questionar sobre o que resta, por exemplo, de esquerda nos revolucionários, e que os condena não apenas à derrota, mas a um efeito de repulsa quase generalizado. Essa maneira de professar certa superioridade moral que não está ao seu alcance é, por exemplo, um pequeno defeito herdado da esquerda. Da mesma forma, essa pretensão insuportável de decretar a forma mais justa
de viver.” É dessas amarras que precisamos nos soltar! Essas heranças herdadas “defuntas” revelam tradições revolucionárias que precisam ser superadas!
Por que não temos na esquerda um homem trans como grande símbolo de militância? Por acaso eles não estão conosco, companheiros? Por que as canecas e camisetas não estampam homens gays que estiveram conosco nas trincheiras? Quantas vezes, nós, mulheres, quando entramos na luta política, somos interrompidas por um camarada querendo nos ensinar como lutar, como é que se faz política sindical, estudantil, dentre outros? Não é porque vocês sempre estiveram à frente desses movimentos, rapazes, que precisam nos ensinar como fazer. Ei, nós sabemos como! Estávamos lá desde a Revolução Francesa, batalhando, e se não fosse uma mulher como Olympe de Gouges declarar os Direitos das mulheres e das cidadãs, estariam só vocês como ilustres conquistadores de direitos.
Essa conta até hoje não foi fechada e não adianta dizer: faz alguma
diferença saber que mulheres também estavam na Revolução Francesa? Talvez para o historiador que disse essa frase não, mas para nós, mulheres, que fomos silenciadas e excluídas na história contada dos heróis, na luta que arrefeceu nossas relações privadas, e por outro lado, restabeleceu a nossa dignidade, faz toda diferença. Recorro a Virginia Woolf, em Um teto Todo Seu, ao dizer: “As mulheres têm servido há séculos como espelhos, com poderes
mágicos, e deliciosos de refletir a figura do homem com o dobro do tamanho natural. Sem esse poder provavelmente a terra ainda seria pântanos e selvas. As glórias de todas as guerras seriam desconhecidas(…) seja qual for o seu uso nas sociedades civilizadas, os espelhos são essenciais para todas as ações violentas e heroicas. É por isso que tanto Napoleão quanto Mussolini insistiam tão enfaticamente na inferioridade das mulheres, pois se elas não
fossem inferiores, eles deixariam de crescer!”
As pessoas que fazem essa luta bonita da esquerda devem estar todas juntas: mulheres trans, pretas, homens trans, gays, todes! Por mais esquerdo-homens, esquerdo-gays, esquerdo-fêmeas e menos esquerdo-machos! Por um presidente educado e sensível!
Companheiros, precisamos ser aliados, e não que nos silenciem em espaços públicos ou nos ensinem a fazer política nesse mundão, até porque se o que têm a nos ensinar é isso que aí está, precisamos
quebrar mais e mais espelhos e refletir mais imagens próximas da realidade das pessoas.
Paula Brandão é professora da UECE, doutora em sociologia e pesquisadora na área de gênero, gerações e sexualidades. Está no Instagram.