Bemdito

Refugiados urbanos: precisamos de uma rede de acolhimento às vítimas do deslocamento forçado

Quando a guerra entre facções criminosas revelou sua face mais cruel no Ceará, incluindo o confisco de residências, seguimos sem que uma política pública específica de anteparo aos deslocados
POR Thiago Paiva
Foto: Lehab/UFC

Quantas famílias foram vítimas dos deslocamentos forçados por ação das facções criminosas no Ceará? Para onde foram após serem expulsas de suas casas? Quantas retornaram? É seguro voltar? Quantas vivem sob ameaças reais? E a quem cada uma dessas pessoas pode recorrer após a fuga e o abrigo na rua, no caso daqueles que não têm sequer para onde ir?

Para todos estes questionamentos, a resposta -para as perguntas que têm resposta – vai depender do órgão questionado. Para a primeira, adianto, não há. Nem para a segunda. Também não existe resposta para a terceira e muito menos para a quarta. Para a quinta, existe uma orientação. Um caminho a ser trilhado que pode amenizar o problema, mas não o resolve. Longe disso.

De maneira geral, a Defensoria Pública e a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) são, basicamente, as únicas instituições buscadas pelas vítimas, quando são. A lei do silêncio impera. O mesmo medo que leva alguém a abandonar todos os pertences, saindo do próprio lar, com a roupa do corpo e para nunca mais voltar, também impede a denúncia e o pedido de socorro. Não deveria ser assim.

Não que essas pessoas tivessem, por obrigação, que buscar ajuda. Mas, a cada uma delas deveria ser ofertado, e neste caso, sim, por obrigação, o mínimo de dignidade e de suporte possível para a travessia desse drama chamado de Refugiados Urbanos.

Desde 2017, quando a guerra entre facções criminosas revelou sua face mais cruel no Ceará, em meio aos confrontos urbanos, com a repetição de crimes bárbaros nas esquinas de Fortaleza e a expulsão deliberada de moradores por membros de facções criminosas – com o intuito de dominar e se estabelecer nos territórios para a prática do tráfico de drogas e outros crimes -, seguimos sem uma política pública específica que sirva como anteparo aos deslocados.

Não há informações concretas, dados estatísticos centralizados ou mapeamentos coordenados que sirvam como ponto de partida para a criação de estratégias de prevenção e políticas de acolhimento para essas vítimas. É urgente e é básico. Até hoje, por exemplo, não há um modelo de registro padrão de ocorrência pelas polícias Militar e Civil. Expulsões costumam ser registradas como ameaças, lesões corporais, entre outras tipificações. Como mensurar o problema?

Na Defensoria Pública, que atua dentro das suas limitações, há o Núcleo de Habitação, para onde são destinadas as ocorrências do tipo. Porém, a segmentação no atendimento se dá somente na Capital, o que dificulta a elaboração de um panorama no Estado.

Às vítimas que chegam, defensores buscam assegurar o mínimo de acesso aos serviços públicos básicos, como saúde e, no caso das famílias com crianças, acesso à educação, além da moradia, por meio de aluguéis sociais. Os pedidos, no entanto, sempre restam negados ou na fila de espera, em razão da falta de vagas para a concessão do benefício.

Para além dos dados estatísticos, há dificuldade até mesmo de encontrar, dentro destes órgãos, como na própria Defensoria, fontes que falem sobre esse problema. Há relutância dos defensores, sobretudo pelo risco que envolve a realização dos trabalhos junto às comunidades. E assim, sem suporte financeiro, psicológico, ou qualquer coisa que o valha, os refugiados seguem desamparados e com os imóveis, e a dignidade, confiscados por criminosos.

Thiago Paiva

Jornalista especializado na cobertura de segurança pública, política e judiciário, é assessor de imprensa e foi repórter especial no Núcleo de Jornalismo Investigativo do jornal O Povo.